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ANÁLISE
No Dia da Mentira, Brasília mudou o trânsito
RENATO AZEVEDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O dia 1º de abril tem um significado particularmente importante para Brasília. Não
porque seja considerado o Dia
da Mentira, mas porque foi em
1º de abril de 1997 que os pedestres da capital do país saíram de
uma condição de cidadãos de
segunda classe para ingressarem num novo mundo. O conhecido mundo civilizado, onde se respeita o ser humano nas
travessias das faixas de pedestres. É assim em Estocolmo, em
Madri, em Tóquio.
Em Brasília se respeitam os
pedestres nas faixas como um
fenômeno, que não depende da
maior ou menor educação deste ou daquele motorista. Para
que isso fosse possível, foi preciso que a sociedade se mobilizasse para dar um basta aos
crescentes índices de mortes
no trânsito. Essa mobilização
ocorreu em 1996 e deu origem
ao programa denominado Paz
no Trânsito. Mas foi somente
em 1997 que percebemos que
as políticas públicas até então
desenvolvidas cometiam um
velho erro. Eram dirigidas para
a segurança do trânsito, mas
para os automóveis e seus motoristas. Nenhuma política pública voltava-se para aqueles
que realmente são as grandes
vítimas do trânsito brasileiro:
os pedestres.
Por isso, ainda sob as regras
do antigo Código Nacional de
Trânsito, decidimos levar
adiante a ideia de se fazer respeitar a preferência dos pedestres nas faixas. Preferência que
tanto é assegurada no atual código como já era no antigo
(1966) e também na Convenção
sobre Trânsito Viário, de Viena
(1968), que impôs essa condição a todos os países signatários. O nosso Brasil é um deles.
E por que o dia 1º de abril?
Porque os nossos órgãos de
trânsito, historicamente, insistem em apontar as faixas para
os pedestres, alegando que nelas eles têm maior segurança
para atravessarem. Mentira! Se
os carros não param, como é
que eles têm maior segurança?
No Dia da Mentira, em Brasília, resolvemos transformar essa mentira em verdade. Foram
necessários três meses para
mudarmos a mentalidade de
motoristas e pedestres. A engenharia de trânsito sinalizou as
faixas, colocou iluminação pública de ótima qualidade sobre
elas, treinamos motoristas e
pedestres, envolvemos a sociedade civil organizada, a Universidade de Brasília, as escolas, os
frotistas, os motociclistas e a
mídia. Fiscalizamos e multamos os motoristas que desrespeitavam a preferência dos pedestres. Muitos motoristas
nem sequer sabiam que essa lei
existia, pois nas autoescolas de
então nada se falava sobre isso.
Dar a preferência aos pedestres nas faixas, antes de ser uma
regra prevista no Código de
Trânsito, é um dever de cidadania de todos os motoristas. A
responsabilidade de fazer "pegar" a lei deve ser atribuída aos
órgãos executivos de trânsito.
Fizessem eles um terço do que
estão fazendo para implantar a
Lei Seca e os nossos pedestres
já teriam outra qualidade de vida nas travessias. Possível é.
Em qualquer cidade brasileira!
Não bastam campanhas tipo
factóides. É preciso políticas
públicas voltadas para os pedestres, programas e projetos
de médio prazo. Até lá, ficarão
valendo campanhas episódicas,
uma faixa recém pintada, uma
autoridade dando uma entrevista e falando das estatísticas
-e pronto. É muito pouco!
RENATO AZEVEDO, 56 , coronel da reserva, foi
comandante do policiamento de trânsito da Polícia Militar do Distrito Federal de 1995 a 2000
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