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GILBERTO DIMENSTEIN
Quantas crianças valem um cachorro?
Com 40 mil m2 de área verde, um hotel no interior de São
Paulo oferece chalés individuais, alimentação três vezes
ao dia, brincadeiras e passeios
com guias -a diária sai por
R$ 25,00.
Nem é necessário dirigir até o
local: o traslado custa apenas
R$ 40,00.
Há, porém, um inconveniente. É proibida a entrada de seres humanos. Só cachorros podem entrar.
Com o nome de "Clube de
Cãompo", o hotel dá direito a
veterinário, banhos aromatizados e até a bebedouro individual.
Esse recanto é, obviamente,
um luxo.
Os especialistas comentam
que para, manter um cão com
dignidade, gastam-se em média R$ 60,00 mensais, entre ração, remédio e veterinário. O
que dá R$ 720,00 anuais.
Mas se compararmos com o
padrão de vida da criança brasileira, esse valor também é um
luxo.
De acordo com o IBGE, 40%
dos brasileiros com até 14 anos
vivem em famílias com renda
per capita de meio salário mínimo.
Ou seja, nem sequer alcançam a despesa da dignidade
canina.
Com seu dia comemorado
amanhã, a criança é o mais
preciso retrato do Brasil neste
final de século-se, de um lado, somos muito melhores do
que fomos, estamos, de outro,
péssimos para o que poderíamos e deveríamos ser.
Basta comparar os gastos das
escolas privadas com as públicas para perceber o abismo.
Uma escola privada de qualidade custa, no geral, R$ 310
mensais; menos do que se gasta na educação pública da Europa e Estados Unidos, próximo dos R$ 550,00.
O gasto médio de um aluno
de escola pública brasileira é
R$ 50,00 por mês, o que dá R$
600,00 por ano -menos que o
cãozinho.
E, notem, já houve grandes
avanços.
Com base em levantamentos
do Dieese, a Folha divulga hoje o "índice criança" -o custo
para se manter uma criança.
Uma cesta básica mensal que
incluísse de uma escola de
qualidade, vestimenta e inglês,
sai por R$ 660.
É uma cesta básica indigente. Nem engloba alimentação,
dentista, médico ou lazer. Nem
estamos jogando aqui despesas
comuns na classe média, como
terapeuta e aulas particulares.
Parece muito, claro. Mas não
é. As melhores escolas privadas
chegam a cobrar a mensalidade de R$ 800,00.
O "índice criança" dá a medida para se criar um indivíduo capaz de desenvolver suas
potencialidades, usufruir dos
benefícios culturais (entre eles
a informática) e tentar disputar com competitividade no
mercado de trabalho.
Significa, hoje, ter algum
curso de formação superior,
dominar a informática e inglês.
A distância entre o que somos e o que deveríamos ser é
visível quando levantamos a
renda salarial na cidade mais
rica do país -é, justamente, a
distância que nos separa de
uma nação civilizada.
Segundo o Dieese, a renda
média de uma família em São
Paulo é R$ 1.350,00.
Suponha-se que, daquela
cesta, o casal escolhesse apenas
uma escola de qualidade para
os filhos.
Um casal padrão com dois filhos teria de desembolsar R$
1.320,00 mensais, separando
quase a totalidade de seus rendimentos para formar as
crianças.
Sobrariam menos de R$
30,00 para transporte, aluguel,
alimentação e saúde.
Censo divulgado no mês passado mostrou que 46,7% das
escolas de ensino fundamental
e 21% das de 2º grau com mais
de cem alunos não têm telefone.
Quando existe telefone, ele é
utilizado para a administração.
Os alunos dessas escolas estão cortados, portanto, da alfabetização digital, tornando-se analfabetos funcionais.
Telefone parece mesmo um
luxo, quando se olham os demais dados do censo.
São poucas as bibliotecas. E
muito menos os laboratórios
de informática e ciências.
Aliás, uma razoável parcela
das escolas não tem energia
elétrica, filtro ou água encanada.
Feliz coincidência que o Dia
da Criança seja comemorado
na mesma semana do Dia do
Professor.
O melhor caminho para se
aprimorar o nível de vida da
população, distribuir renda e
alargar a democracia é garantir uma escola pública de qualidade -meta impossível sem
investimento maciço no professor.
O dia em que os sindicalistas
descobrirem essa obviedade
vão lutar tanto por melhores
escolas quanto por melhores
salários.
PS - Numa tentativa de sistematizar minha vivência em
projetos de educação em cidadania e os impactos das novas
tecnologias na formação no
aprendizado e formação profissional, concluí na semana
passada um ensaio sobre o
professor do futuro. É, em boa
parte, resultado de minha experiência em Nova York.
Para comemorar o Dia do
Professor, coloquei esse ensaio
na Internet, no seguinte endereço: www.aprendiz.com.br
E-mail: gdimen@uol.com.br
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