São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Foco

Tour "macabro" em SP leva curiosos ao edifício Joelma e a cemitérios

WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Com uma faca sangrenta "atravessada" na cabeça, a guia entra no ônibus (enfeitado com véus e morcegos, ao som de "Romance de Uma Caveira") -e murmura no microfone, em voz fúnebre: "Já estão com medo? É essa nossa intenção".
E era isso que as pessoas queriam ao pagar R$ 30 pelo tour São Paulo Além dos Túmulos, que percorre, todo mês, os pontos de mau agouro da cidade. "O atrativo principal é mesmo a morte", assume o consultor de turismo Jeck Silva, 32, de mãos dadas com a namorada, para o primeiro "tour da morte" de suas vidas, na ensolarada tarde do último domingo.
"Na Europa é comum", diz a guia Ângela Arena, citando a visitação do cemitério Père-Lachaise, em Paris, enquanto o ônibus partia do largo do Arouche em direção à casa de Dona Yayá. É lá, onde a rica herdeira Sebastiana Mello Freire passou 35 anos trancafiada -tomada por doente mental-, que o tour começa. "O lugar ainda é visitado por Yayá", afirma. "É que ela só saiu daqui morta."
O tom é sempre de humor, seja no beco dos aflitos, antigo cemitério popular na Liberdade; no castelo da rua Apa, famoso pela misteriosa morte dos irmãos e da mãe da família Reis; ou mesmo no edifício Joelma, palco do incêndio que matou 188 pessoas em 1974 (foi uma das maiores tragédias de SP).
"Olha lá a Yayá, uuuu", riam os passageiros, enquanto o ônibus parava em frente ao prédio. Aqui ninguém desce. "A administração não acha adequado", afirma Carlos Silvério, dono da agência Graffit Turismo, que organiza mensalmente o passeio.
"Aqui se percebem atividades paranormais", diz a guia, enquanto os passageiros fotografavam o Joelma pela janela, do celular. "Treze pessoas pegaram o elevador e morreram ali dentro. São as 13 almas desconhecidas do Joelma." Silêncio. Mas ela continua e diz que, no mesmo terreno, décadas antes, o "crime do químico" apavorou a cidade. Até o padre Quevedo teria vindo ali medir a atividade de fantasmas de tantas tragédias. "Os seguranças ainda brigam para fugir do turno da noite", diz Arena. "É que há vozes."
Mas o público não se amedronta -antes mastigam as "línguas de múmia", chicletes que adormecem a boca distribuídos pela agência. "Adoro ver filme de cemitério e tudo sobre a morte", diz Jefferson Jardim, 10, os olhos grudados no túmulo da marquesa de Santos, enquanto as mulheres davam voltinhas "para casar". Pois é ali, no cemitério da Consolação, que o tour tem sua parada de 50 minutos.
Trazido pelo tio, Jefferson não perdia uma explicação, fosse sobre as obras do escultor Victor Brecheret; o suicídio do advogado Moacyr Piza, "que morreu de amor por uma cliente prostituta"; ou sobre o "maior mausoléu da América Latina", segundo a guia, o dos Matarazzo.
Só quatro horas (e muitas histórias macabras) depois é que o tour termina -mas não sem o "lanchinho fúnebre" (amendoim e chocolate de morango enrolados em celofane negro) e a despedida não menos tétrica da guia. "A morte é um fato, a gente só não sabe quando", filosofa Arena. "Então riam mais, aproveitem mais -aproveitem enquanto é tempo."


Texto Anterior: Viúva morre atingida pelo caixão de seu marido no RS
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.