São Paulo, quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

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PASQUALE CIPRO NETO

O "sífu" e os futuros "médicos" de Londrina


Se a linguagem é a expressão da percepção do mundo, a desses "médicos" não lhes permite ir além do "sífu"

O PAÍS INTEIRO VIU e ouviu o presidente Lula disparar o "sífu" (com acento agudo no "i", sim, já que se trata de paroxítona terminada em "u"). Estabelecendo um paralelo entre o seu papel (de chefe de governo e, portanto, do Executivo) e o de um médico, o presidente imaginou uma situação em que um discípulo de Hipócrates atendesse um "paciente doente".
Disse Lula: "O que você falaria para ele? "Você tem um problema, mas a medicina já avançou demais. Vamos dar tal remédio e você vai se recuperar". Ou você diria: 'Meu, sífu'?".
Como bem disse o grande Clóvis Rossi, "discutir se "sífu" é expressão adequada ou não à "majestade do cargo" é irrelevante". O fato é que o termo existe e tem largo emprego (tabuístico) na oralidade brasileira.
A esta altura, cabe-me explicar o que é "tabuístico", adjetivo relativo a "tabuísmo" (só o "Houaiss" registra os termos). Eis a definição que o dicionário dá de "tabuísmo": "Palavra, locução ou acepção tabus, consideradas chulas, grosseiras ou ofensivas demais na maioria dos contextos".
Em sua (às vezes aparente) simplicidade (e/ou grosseria, para alguns), Lula consegue, com suas metáforas, ser mais do que explícito e "didático". Só quem não quer não entende o que presidente quer dizer.
Para muitos, essa metáfora de Lula se apoiou numa hipérbole (exagero) por demasiado inverossímil.
"Qual o médico que diria "sífu" a um paciente?", disseram algumas pessoas que comentaram o episódio.
Pois não há nada melhor do que um dia após o outro. Não foi preciso esperar mais do que uma semana para que a ultratosca realidade brasuca se encarregasse de mostrar que a parábola do presidente nada tem de irreal ou surreal. Refiro-me ao triste episódio de Londrina, em que futuros "médicos" invadiram o hospital universitário, em prosseguimento à "comemoração" iniciada num boteco da redondeza. De lata cheia, os nobres rapazes fizeram o diabo. Até rojão soltaram nos corredores do hospital da universidade.
Não me admiraria que um desses futuros "médicos" dissesse "sífu" a um de seus pobres pacientes. Se é verdade que a linguagem é a expressão do alcance da percepção do mundo, a (percepção) desses boçais não deve permitir-lhes nada mais do que o "sífu" na situação idealizada por Lula. Como bem disse o médico Bráulio Lima (coordenador do exame do Cremesp e professor da Unifesp) a respeito do episódio, "a profissão médica é uma profissão cuja essência é humanista". E, digo eu, há muito tempo nossa sociedade e, sobretudo, nossa escola trocaram o modelo humanista pelo tecnicista.
Que tal exigir nos exames a compreensão de textos filosófico-literários, muitos dos quais, por sinal, foram escritos por brilhantes médicos-escritores (ou escritores-médicos), como Pedro Nava (autor do monumental "Baú de Ossos"), Guimarães Rosa e Jorge de Lima?
E que tal exigir a leitura de letras da nossa música popular, como a da magistral "Resposta ao Tempo", do psiquiatra-poeta (ou poeta-psiquiatra) Aldir Blanc? A belíssima canção (cuja melodia é de Cristóvão Bastos) foi imortalizada por Nana Caymmi.
Em tempo: faço questão de cumprimentar o reitor da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Wilmar Marçal, pelas corajosas e maduras declarações e atitudes. É isso.

inculta@uol.com.br


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