São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 2003

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GOVERNO LULA

Objetivo é obrigar empresas a ressarcir o SUS quando seus clientes forem atendidos pela rede pública

Ministro quer mudar planos de saúde

GABRIELA ATHIAS
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

O governo federal quer mudar ainda neste ano a lei que regulamenta os planos de saúde para criar mecanismos mais eficazes de regulação do setor.
Um dos objetivos é obrigar as empresas que comercializam os planos a ressarcirem o SUS (Sistema Único de Saúde) quando seus clientes forem atendidos na rede pública de saúde.
"Quero montar rapidamente um fórum que envolva todo mundo [usuários de planos, empresas e prestadores de serviço" para discutir o que pode ser feito para que esses segmentos possam minimamente se satisfazer", afirma o ministro da Saúde, Humberto Costa, 45. "Definida a lei, que modificações vai sofrer, temos de fazer com que seja cumprida."
Dados da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) mostram que, dos R$ 197,8 milhões que o poder público cobrou a título de ressarcimento das operadoras de saúde desde agosto de 2000, quando iniciou a cobrança, recebeu apenas R$ 35,8 milhões.
A identificação dos clientes dos planos de saúde na rede pública seria feita por meio de um cruzamento entre os dados de cadastros da ANS e do SUS.
A atual legislação já determina o ressarcimento. O problema, segundo o ministro, é que é difícil obrigar as empresas a cumpri-la.
A lei -que ficou parada por oito anos no Congresso, até ser aprovada em 1998- abre brechas para que as empresas recorram das multas aplicadas pelo não ressarcimento ao SUS.
Quando a ANS indefere o recurso administrativo, as empresas recorrem à Justiça e, na maioria das vezes, escapam da obrigação por meio de liminares.
É por isso que o ministro pretende convocar um fórum com empresários do setor e usuários, antes de propor alterações na lei. Ao traçar diretrizes minimamente consensuais, Costa espera que a autoridade de regulação do poder público seja exercida de fato e não apenas no papel.
As primeiras metas do ministro evidenciam que este será um ano polêmico na saúde: ele quer também que os hospitais universitários (centros de excelência da rede pública) se adaptem ao período de "vacas magras" e economizem.
Costa não aprova a idéia de esses hospitais reservarem vagas para clientes de empresas de medicina suplementar para ter outra fonte de financiamento.
Em relação à política de assistência farmacêutica, Costa afirma que o governo vai subsidiar remédios, inclusive para quem não for usuário do SUS. Para ampliar a oferta de medicamentos no SUS e ainda criar uma "cesta básica" de remédios subsidiados, o ministro diz que o governo pretende investir nos laboratórios oficiais, que produzem apenas 3% do que é consumido no país.
Para os clientes de planos de saúde, Costa acena com a possibilidade de incluir a distribuição de medicamentos na prestação do serviço.
Segundo o ministro, se a produção de laboratórios estatais for expandida, o preço dos produtos dos laboratórios privados cairá. Ele diz ainda que, esgotadas todas as instâncias de negociação com a indústria farmacêutica, o governo pode até quebrar patentes para garantir o acesso da população a medicamentos essenciais.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida por Costa à Folha no dia 8, em Brasília.

ACESSO A MEDICAMENTOS - A primeira estratégia é garantir medicamento para quem procura o SUS. Uma das hipóteses é o governo aumentar as compras. A segunda é incentivar a produção dos laboratórios oficiais. Há os laboratórios das Forças Armadas, que estão em boa parte ociosos, e os estaduais.
O aumento da produção desses laboratórios deverá contribuir para controlar os preços, na medida em que reduzirmos a demanda no mercado, aumentando a oferta no SUS.
Para os clientes dos planos de saúde, uma alternativa é negociar para que eles possam incluir no serviço um plano de assistência farmacêutica.

FARMÁCIAS POPULARES - Uma possibilidade é colocar o medicamento em estruturas que já tenham capilaridade na sociedade, como o Sesi (Serviço Social da Indústria) e o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Se colocarmos remédios que o governo compra ou produz em redes como essas, não precisaremos ter farmácias e funcionários.
Podemos ainda usar redes privadas de farmácia e criar um programa de reembolso ou de pagamento de taxa de administração [para que elas forneçam o medicamento subsidiado".

QUEBRA DE PATENTES - Nos países pobres, temos de colocar a saúde pública antes do interesse da indústria farmacêutica. Não queremos estimular a pirataria ou a quebra de acordos, mas não é justo que a proteção das patentes dite preços proibitivos.
O Brasil é um grande mercado consumidor, as empresas que estão aqui não querem ter um contencioso com o governo e ter seus medicamentos com patentes quebradas. Temos de deixar absolutamente claro que o governo sempre colocará a saúde pública acima dos interesses comerciais de quem quer que seja.

INDÚSTRIA FARMACÊUTICA - É muito concentrada. No Brasil, a produção de insulina está nas mãos de uma única empresa. Entre 2000 e 2001, os preços de insulina subiram 108%. Que outro segmento da economia teve isso?

PLANOS DE SAÚDE - Devemos fazer ainda neste ano de 2003 um balanço dos cinco anos da lei dos planos de saúde. Hoje ninguém está satisfeito: usuários, planos de saúde e profissionais que prestam serviço. Definida a lei, que modificações vai sofrer, temos de fazer com que seja cumprida.
O ministério precisa formular uma política para a saúde suplementar. Hoje há multas por descumprimento da lei, mas há um sistema de possibilidades de as empresas recorrerem administrativamente dessas multas. Isso é uma regulação imperfeita. Vamos discutir o valor das multas, mas não podemos enfraquecer os mecanismos de regulação.

HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS - O primeiro problema é o de recursos humanos, que diz respeito ao Ministério da Educação. O MEC não contrata. O que os hospitais fazem? O dinheiro repassado pelo SUS, que deveria garantir custeio e investimento, é usado para contratar pessoal.
Segundo problema: gestão. O custo dos serviços em alguns hospitais universitários é muito maior do que na iniciativa privada. Há que se discutir modelo de gestão, definir metas e cobrar, ou vira um saco sem fundo.
Os hospitais precisam de dinheiro, mas também de um modelo de gestão mais racional, para que possam economizar mais.

ATENDIMENTO NO SUS - Reconhecemos que o preço das consultas é um problema e vamos trabalhar com a expectativa de melhorar a remuneração do SUS.
O governo tem a intenção de aumentar os gastos na área social. Só que isso não acontece da noite para o dia.


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