São Paulo, quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

URBANIDADE

Emprego da onda

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Gregório Motta era, até pouco tempo, mais um candidato ao desemprego. Há seis anos, ele optou pelo curso de desenho industrial, indeciso sobre se queria mesmo entrar naquela faculdade. Não conseguia ver como, uma vez formado (se fosse até o final), ganharia dinheiro. Parecia-lhe desperdício de energia desenhar produtos comerciais para ser fabricados em série. Amedrontava-lhe a perspectiva de usar roupas formais; só gostava de andar de camiseta, bermuda e sandália ou tênis. Tinha pavor especialmente da rotina e de ficar recebendo ordens. Gregório chegou nesta semana a uma praia do Havaí, certo de que encontrou um jeito de sobreviver, sem precisar mudar.
Salvou-se porque desde pequeno acompanhava o pai, Carlos Motta, designer de móveis e surfista, pelas mais diferentes praias do mundo, do litoral de São Paulo até a Indonésia. "Viajar pelo mundo era encontrar praias". Como era previsível, virou um surfista.
Além de seguir a paixão paterna pelo mar, ele prestava atenção nos móveis que o pai construía numa marcenaria. "Não tinha imaginado que, ao entrar na faculdade, sem saber, estava o encontro do desenho industrial com as ondas."
Com a diploma na mão, não sabia por onde começar. Como viajava para o Havaí apenas para se divertir nas ondas, conheceu algumas oficinas em que se produziam pranchas artesanais. Não lhe parecia difícil fazer pranchas, e aceitou encomendas de amigos surfistas. Pouco a pouco foi ganhando clientes. "Não me incomodava perder tempo em cada prancha, queria mesmo um trabalho artesanal." No ano passado, montou seu próprio ateliê, para atender os poucos pedidos.
Em outubro, com a proximidade das férias, sem que tenha feito nenhum plano de negócios e despreocupado com margens de lucro, percebeu que já não dava conta do crescente número de encomendas. "Prefiro não mudar de ritmo."
Nem mudou seu plano de passar as férias no Havaí. Desta vez, porém, vai gastar todo o tempo surfando e se divertindo, mas também estudando: conseguiu estágio na oficina de um dos maiores designers de pranchas de surfe do país. A certeza do encontro com de seu talento apresentou-lhe uma novidade: a de que trabalhar dá prazer. "Encontrei a minha onda na vida."


E-mail - gdimen@uol.com.br

Texto Anterior: Cheia, represa de Furnas abre as comportas
Próximo Texto: A cidade é sua: Advogada diz que há risco de queda de árvores na zona norte
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.