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ENSINO SUPERIOR
Dispensa do professor Marcelo Neves leva intelectuais como Juergen Habermas a assinar lista contra decisão
FGV demite e causa polêmica internacional
LAURA CAPRIGLIONE
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL
Nem um ano se passou desde
que a Fundação Getúlio Vargas
inaugurou o curso de graduação
de sua escola de direito em São
Paulo e uma crise já se abate sobre
a instituição.
O mais destacado representante
da segunda geração da mítica Escola de Frankfurt, o filósofo e sociólogo alemão Juergen Habermas, 75, considerado um dos
mais influentes pensadores sociais do século 20, secundado por
96 outros intelectuais, advogados
e agentes do poder público -brasileiros e não-brasileiros-, endereçaram à direção da GV um abaixo-assinado em que repudiam a
demissão sumária do professor
Marcelo Neves, ocorrida no último dia 14 de dezembro, "por razões administrativas", segundo a
direção da escola.
Um proeminente acadêmico do
direito do país (o próprio Habermas citou-o em "Verdade e Justificação", de 1999), Neves graduou-se e fez o mestrado na Universidade Federal de Pernambuco, rumando depois para a Europa, onde produziu a maior parte
de suas pesquisas.
A crise entre Neves e a Fundação Getúlio Vargas explodiu em
setembro, quando o docente deveria se ausentar das aulas por dez
dias para participar, na condição
de "observador acadêmico", das
eleições alemãs. Ele seria o único
representante da América Latina
em um seleto grupo de 13 intelectuais de todos os continentes. A
direção da GV proibiu-o de viajar,
assim como o proibiria de apresentar um painel na reunião anual
da Anpocs (Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais), realizado em
outubro, em Minas Gerais.
Segundo Paulo Goldschmidt,
vice-diretor da escola, "Neves só
avisou seus superiores sobre os
compromissos uma semana antes
de eles acontecerem, o que é inadmissível. Recusados os pedidos,
ele tentou resolver externamente
a questão, mobilizando amigos
no Supremo Tribunal Federal e
em outras instituições, em vez de
fazê-lo internamente".
Neves desmente: "Avisei a instituição em julho e não mobilizei
ninguém -meus colegas é que ficaram sabendo e se solidarizaram
comigo". Para ele, a demissão reflete o autoritarismo de uma direção de faculdade monopolizada
por três pessoas, os professores
Ary Oswaldo Mattos Filho,
Goldschmidt e Antonio Angarita,
todos com mais de 35 anos de
Fundação Getúlio Vargas. "A inexistência de um conselho de professores permite que contratações
e demissões sejam feitas segundo
o arbítrio dos administradores. E
isso fere o espírito acadêmico."
Depois de uma longa permanência fora do país, o convite para
lecionar na nova escola de direito
da GV pareceu a Neves a grande
chance de voltar à universidade
brasileira. Com média salarial entre 100% e 120% maior do que a
vigente na USP para professores-doutores, a nova escola, que cobra
R$ 2.300 de mensalidade, surgiu
com a proposta de "revolucionar"
o ensino jurídico nacional.
Pesquisa de 1999 com representantes do mercado de trabalho sobre a qualidade dos bacharéis de
direito recém-formados revelou à
direção da GV que a maior parte
dos empregadores queixava-se do
perfil excessivamente teórico dos
cursos tradicionais.
Montou-se a partir desse painel
de opiniões um curso peculiar.
Em vez dos tradicionais trabalhos
em grupo e seminários, os professores enfatizam os "role-playing
games" (RPG), jogos de interpretação de personagens, usados para propor um problema jurídico
prático e uma discussão sobre as
formas de resolvê-lo.
"Prática" versus "teoria" poderia ser a chave para explicar a demissão de Marcelo Neves? Um
professor disse à Folha, na condição de não ser identificado, que
"foi esquizofrênico da parte dos
idealizadores do curso colocar
um dos maiores teóricos do direito brasileiro para lecionar em um
curso que só quer treinar pessoas
para resolver problemas do ponto
de vista das empresas".
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