São Paulo, quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

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ENSINO SUPERIOR

Dispensa do professor Marcelo Neves leva intelectuais como Juergen Habermas a assinar lista contra decisão

FGV demite e causa polêmica internacional

LAURA CAPRIGLIONE
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

Nem um ano se passou desde que a Fundação Getúlio Vargas inaugurou o curso de graduação de sua escola de direito em São Paulo e uma crise já se abate sobre a instituição.
O mais destacado representante da segunda geração da mítica Escola de Frankfurt, o filósofo e sociólogo alemão Juergen Habermas, 75, considerado um dos mais influentes pensadores sociais do século 20, secundado por 96 outros intelectuais, advogados e agentes do poder público -brasileiros e não-brasileiros-, endereçaram à direção da GV um abaixo-assinado em que repudiam a demissão sumária do professor Marcelo Neves, ocorrida no último dia 14 de dezembro, "por razões administrativas", segundo a direção da escola.
Um proeminente acadêmico do direito do país (o próprio Habermas citou-o em "Verdade e Justificação", de 1999), Neves graduou-se e fez o mestrado na Universidade Federal de Pernambuco, rumando depois para a Europa, onde produziu a maior parte de suas pesquisas.
A crise entre Neves e a Fundação Getúlio Vargas explodiu em setembro, quando o docente deveria se ausentar das aulas por dez dias para participar, na condição de "observador acadêmico", das eleições alemãs. Ele seria o único representante da América Latina em um seleto grupo de 13 intelectuais de todos os continentes. A direção da GV proibiu-o de viajar, assim como o proibiria de apresentar um painel na reunião anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), realizado em outubro, em Minas Gerais.
Segundo Paulo Goldschmidt, vice-diretor da escola, "Neves só avisou seus superiores sobre os compromissos uma semana antes de eles acontecerem, o que é inadmissível. Recusados os pedidos, ele tentou resolver externamente a questão, mobilizando amigos no Supremo Tribunal Federal e em outras instituições, em vez de fazê-lo internamente".
Neves desmente: "Avisei a instituição em julho e não mobilizei ninguém -meus colegas é que ficaram sabendo e se solidarizaram comigo". Para ele, a demissão reflete o autoritarismo de uma direção de faculdade monopolizada por três pessoas, os professores Ary Oswaldo Mattos Filho, Goldschmidt e Antonio Angarita, todos com mais de 35 anos de Fundação Getúlio Vargas. "A inexistência de um conselho de professores permite que contratações e demissões sejam feitas segundo o arbítrio dos administradores. E isso fere o espírito acadêmico."
Depois de uma longa permanência fora do país, o convite para lecionar na nova escola de direito da GV pareceu a Neves a grande chance de voltar à universidade brasileira. Com média salarial entre 100% e 120% maior do que a vigente na USP para professores-doutores, a nova escola, que cobra R$ 2.300 de mensalidade, surgiu com a proposta de "revolucionar" o ensino jurídico nacional.
Pesquisa de 1999 com representantes do mercado de trabalho sobre a qualidade dos bacharéis de direito recém-formados revelou à direção da GV que a maior parte dos empregadores queixava-se do perfil excessivamente teórico dos cursos tradicionais.
Montou-se a partir desse painel de opiniões um curso peculiar. Em vez dos tradicionais trabalhos em grupo e seminários, os professores enfatizam os "role-playing games" (RPG), jogos de interpretação de personagens, usados para propor um problema jurídico prático e uma discussão sobre as formas de resolvê-lo.
"Prática" versus "teoria" poderia ser a chave para explicar a demissão de Marcelo Neves? Um professor disse à Folha, na condição de não ser identificado, que "foi esquizofrênico da parte dos idealizadores do curso colocar um dos maiores teóricos do direito brasileiro para lecionar em um curso que só quer treinar pessoas para resolver problemas do ponto de vista das empresas".


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