São Paulo, terça, 12 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Morrer poderia ser melhor"

da Reportagem Local

A lembrança dos filhos foi a única coisa que chegou a colocar em xeque a decisão de Telma Regina de Almeida de se suicidar. Além da criança que está esperando -ela está grávida de seis meses-, Telma é mãe de Leandro, 15, Douglas, 9, Diego, 6, e David, 4.
Com exceção do mais velho, todos vivem com Telma e o marido, Jorge Fontes. Leandro mora com parentes em Curitiba (PR) porque o casal alega não ter como mantê-lo.
Os filhos, conta Telma, são a única razão que a faz ter alguma esperança na vida. Leia a entrevista que ela e o marido concederam à Folha.


Folha - Por que a sra. tentou pular do prédio?
Telma Regina de Almeida
- Eu quis me matar mesmo. Se o bombeiro não tivesse me segurado, teria pulado. Queria chamar a atenção para o meu problema. Pobre só consegue as coisas assim.
Folha - Como a sra. pensou em se matar?
Telma
- Eu saí de casa para ir à prefeitura. No meio do caminho pensava que ia subir e me jogar. Estava zonza, acabei entrando no prédio errado e subi. Inventei que ia falar com uma tal de Carmen e fui subindo.
Jorge Fontes - Mas a gente ia junto...
Folha - Como assim?
Telma
- É verdade, mas eu não queria que o Jorge fosse porque seria uma humilhação dupla. Preferi ir sozinha. Levantei cedo, pus uma roupa e disse a ele que iria na casa da minha irmã (que mora no mesmo prédio). Passei a bolsa pelo lado de fora da janela e saí sem ele perceber.
Folha - Quando o sr. soube o que tinha acontecido com sua mulher?
Jorge
- Ligaram na casa de uma vizinha avisando que ela estava no hospital. Fiquei assustado e feliz quando soube que ela estava bem.
Folha - O que vocês pretendem fazer agora?
Telma
- Não sei. Queria ficar aqui. Não tenho para onde ir. Só se for para debaixo da ponte com os meus filhos. Não é justo. Quando estava lá em cima, cheguei a pensar que, se morresse, poderia ser melhor. Alguém tomaria conta deles.
Folha - As crianças vão à escola?
Telma
- Vão, mas estão todos atrasados, porque a gente vive mudando. Se tiver de sair daqui, vão ficar mais atrasados.
Folha - Vocês foram à escola?
Telma
- Sei ler e escrever. Queria trabalhar, mas não tenho como por causa das crianças e da trombose nas pernas.
Jorge - Estudei até o segundo ano, quando era criança e vivia na Bahia.
Folha - Como era a vida de vocês antes de perderem o açougue?
Jorge
- A gente vivia muito bem. Morava em uma casa alugada, pagava uns R$ 300 por mês. Tinha aparelho de som, TV, tudo. Vendi tudo para pagar as dívidas e agora mal dá para comer. Só tem carne quando um amigo me dá.
Folha - A sra. já comeu hoje?
Telma
- Eu ainda não. Meu marido também não. As crianças, algum vizinho deve ter dado alguma coisa para elas.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.