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SEGURANÇA
Posto era ocupado por municípios da região metropolitana; secretaria vê interiorização do crime
Sumaré é a 1ª cidade do interior a
liderar o ranking de homicídios
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Analfabeto, Francisco Lourenço
Dias, 43, mal consegue desenhar o
nome, tem dificuldade nas contas
mais simples e nem imagina o que
seja uma estatística. Alheio às letras e aos números, ele fala sem
rodeios, mas com detalhes, sobre
as mudanças nas últimas décadas
na cidade onde mora -Sumaré, a
120 km de São Paulo- e chora ao
lembrar dos dramas de sua vida.
Sem saber, Dias cita o mesmo
panorama que é revelado pelas
estatísticas que ele desconhece:
explosão populacional e incremento da violência na cidade.
Dias estava entre os milhares de
migrantes que invadiram Sumaré
na década de 70, período em que a
população cresceu 347%. Conseguiu o primeiro emprego com
Carteira de Trabalho no auge da
oferta de vagas no setor industrial
e foi demitido quando as empresas passaram a exigir mais qualificação de seus funcionários.
Hoje desempregado, o homem
que saiu com a mãe e seis irmãos
do interior do Paraná para fugir
da fome viveu no ano passado
mais um drama, também em parte explicado pelas estatísticas.
Sumaré assumiu em 2004 o topo do ranking de registros de homicídio doloso (com intenção)
entre municípios do Estado de
São Paulo. Foram 45,89 casos por
grupo de 100 mil habitantes.
A neta adotiva de Dias, Estephany, 5, foi um desses casos. Ela
morreu em frente de casa por causa de uma discussão entre familiares de Dias e vizinhos. Estephany
corria para avisar a bisavó, de 82
anos, que a novela havia começado quando foi atingida por uma
bala perdida. Seis dias depois, deprimida, a bisavó morreu.
Evolução
É a primeira vez que uma cidade
do interior lidera o ranking de homicídios pelo menos desde 1999,
ano em que a Secretaria da Segurança passou a divulgar os índices
de violência nos municípios em
quatro itens -homicídios dolosos, furtos, roubos e também furtos e roubos de veículos. Até 2003,
cidades da região metropolitana
de São Paulo se revezaram no topo do ranking de homicídios (veja quadro na pág. C3).
O município que a família de
Dias escolheu para viver não passava do 22º lugar em 1999. Nos
anos seguintes, chegou a estar entre as dez cidades com maior coeficiente. Em 2003, Sumaré era 13º
colocada, com 45,09 homicídios
por 100 mil habitantes.
No ano passado, houve um pequeno crescimento -em números brutos, de 95 homicídios em
2003 para 99 em 2004. A diferença
é que os outros municípios conseguiram baixar os seus índices, segundo as estatísticas oficiais.
Sumaré contrariou essa tendência de queda. Das dez cidades com
maior coeficiente de homicídios
em 2004, apenas ela e Salto (a 105
km da capital) registraram aumento no número de casos em relação ao ano anterior.
A polícia da região de Campinas
-que inclui Sumaré- afirma
que medidas estão sendo tomadas para atacar o problema.
Interiorização
Para o coordenador da CAP
(Coordenadoria de Análise e Planejamento) da Secretaria da Segurança Pública, Túlio Kahn, o fenômeno que ele chama de "interiorização do crime" pode ser
percebido não só pelo aumento
dos registros, mas também pela
queda mais lenta dos índices em
relação ao restante do Estado.
Ao apontar as causas dessa interiorização, Kahn também parece
falar sobre a trajetória de Dias. Segundo o especialista em estatísticas, bolsões de miséria criados pela chegada desordenada de migrantes à procura de emprego explicam esses índices.
"É um processo semelhante ao
da região metropolitana. Só que,
nessa região [Grande São Paulo],
iniciativas de combate ao crime
conseguiram reduzir o problema", afirmou o coordenador.
Quando chegou a Sumaré vindo
de Primeiro de Maio (PR), onde
era bóia-fria, Dias ergueu barracos em uma área invadida para
abrigar a família. Deixou para trás
a lavoura no pequeno município,
que hoje não tem mais do que 13
mil moradores -Sumaré tem
215.730 habitantes.
Os barracos da família Dias foram espalhados em uma favela no
Jardim Manchester, periferia de
Sumaré. Estephany foi atingida
no final da rua 13. Apesar da morte da neta, Dias não pensa em voltar para o Paraná. "Não tem violência lá, mas o pessoal morre de
barriga vazia. Sumaré é violenta,
mas aqui eu nunca mais passei fome", disse ele, que vive de bicos de
pedreiro e de catar sucata.
Para ele, a violência é motivada
pelo tráfico de drogas -ele faz
questão de dizer que tem um filho
preso por esse crime. "No interior, não havia esse problema."
Além da falta de policiamento,
Dias cita a precariedade da rede
hospitalar como um dos principais problemas de sua cidade. Segundo ele, sua mulher teve de ser
internada por causa de um tumor
no município vizinho de Paulínia
por falta de leitos em Sumaré.
Apesar de decidido a não voltar
para o Paraná, Dias teve reacendida a disposição para uma nova
empreitada com a morte da neta.
"Quando meu filho sair da cadeia,
vamos para o Mato Grosso. Lá, tenho esperança de voltar a trabalhar na lavoura sem passar fome."
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