São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2005

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SEGURANÇA

Posto era ocupado por municípios da região metropolitana; secretaria vê interiorização do crime

Sumaré é a 1ª cidade do interior a liderar o ranking de homicídios

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Analfabeto, Francisco Lourenço Dias, 43, mal consegue desenhar o nome, tem dificuldade nas contas mais simples e nem imagina o que seja uma estatística. Alheio às letras e aos números, ele fala sem rodeios, mas com detalhes, sobre as mudanças nas últimas décadas na cidade onde mora -Sumaré, a 120 km de São Paulo- e chora ao lembrar dos dramas de sua vida.
Sem saber, Dias cita o mesmo panorama que é revelado pelas estatísticas que ele desconhece: explosão populacional e incremento da violência na cidade.
Dias estava entre os milhares de migrantes que invadiram Sumaré na década de 70, período em que a população cresceu 347%. Conseguiu o primeiro emprego com Carteira de Trabalho no auge da oferta de vagas no setor industrial e foi demitido quando as empresas passaram a exigir mais qualificação de seus funcionários.
Hoje desempregado, o homem que saiu com a mãe e seis irmãos do interior do Paraná para fugir da fome viveu no ano passado mais um drama, também em parte explicado pelas estatísticas.
Sumaré assumiu em 2004 o topo do ranking de registros de homicídio doloso (com intenção) entre municípios do Estado de São Paulo. Foram 45,89 casos por grupo de 100 mil habitantes.
A neta adotiva de Dias, Estephany, 5, foi um desses casos. Ela morreu em frente de casa por causa de uma discussão entre familiares de Dias e vizinhos. Estephany corria para avisar a bisavó, de 82 anos, que a novela havia começado quando foi atingida por uma bala perdida. Seis dias depois, deprimida, a bisavó morreu.

Evolução
É a primeira vez que uma cidade do interior lidera o ranking de homicídios pelo menos desde 1999, ano em que a Secretaria da Segurança passou a divulgar os índices de violência nos municípios em quatro itens -homicídios dolosos, furtos, roubos e também furtos e roubos de veículos. Até 2003, cidades da região metropolitana de São Paulo se revezaram no topo do ranking de homicídios (veja quadro na pág. C3).
O município que a família de Dias escolheu para viver não passava do 22º lugar em 1999. Nos anos seguintes, chegou a estar entre as dez cidades com maior coeficiente. Em 2003, Sumaré era 13º colocada, com 45,09 homicídios por 100 mil habitantes.
No ano passado, houve um pequeno crescimento -em números brutos, de 95 homicídios em 2003 para 99 em 2004. A diferença é que os outros municípios conseguiram baixar os seus índices, segundo as estatísticas oficiais.
Sumaré contrariou essa tendência de queda. Das dez cidades com maior coeficiente de homicídios em 2004, apenas ela e Salto (a 105 km da capital) registraram aumento no número de casos em relação ao ano anterior.
A polícia da região de Campinas -que inclui Sumaré- afirma que medidas estão sendo tomadas para atacar o problema.

Interiorização
Para o coordenador da CAP (Coordenadoria de Análise e Planejamento) da Secretaria da Segurança Pública, Túlio Kahn, o fenômeno que ele chama de "interiorização do crime" pode ser percebido não só pelo aumento dos registros, mas também pela queda mais lenta dos índices em relação ao restante do Estado.
Ao apontar as causas dessa interiorização, Kahn também parece falar sobre a trajetória de Dias. Segundo o especialista em estatísticas, bolsões de miséria criados pela chegada desordenada de migrantes à procura de emprego explicam esses índices.
"É um processo semelhante ao da região metropolitana. Só que, nessa região [Grande São Paulo], iniciativas de combate ao crime conseguiram reduzir o problema", afirmou o coordenador.
Quando chegou a Sumaré vindo de Primeiro de Maio (PR), onde era bóia-fria, Dias ergueu barracos em uma área invadida para abrigar a família. Deixou para trás a lavoura no pequeno município, que hoje não tem mais do que 13 mil moradores -Sumaré tem 215.730 habitantes.
Os barracos da família Dias foram espalhados em uma favela no Jardim Manchester, periferia de Sumaré. Estephany foi atingida no final da rua 13. Apesar da morte da neta, Dias não pensa em voltar para o Paraná. "Não tem violência lá, mas o pessoal morre de barriga vazia. Sumaré é violenta, mas aqui eu nunca mais passei fome", disse ele, que vive de bicos de pedreiro e de catar sucata.
Para ele, a violência é motivada pelo tráfico de drogas -ele faz questão de dizer que tem um filho preso por esse crime. "No interior, não havia esse problema."
Além da falta de policiamento, Dias cita a precariedade da rede hospitalar como um dos principais problemas de sua cidade. Segundo ele, sua mulher teve de ser internada por causa de um tumor no município vizinho de Paulínia por falta de leitos em Sumaré.
Apesar de decidido a não voltar para o Paraná, Dias teve reacendida a disposição para uma nova empreitada com a morte da neta. "Quando meu filho sair da cadeia, vamos para o Mato Grosso. Lá, tenho esperança de voltar a trabalhar na lavoura sem passar fome."


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