São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DANUZA LEÃO

Era bem bom

A coisa mais difícil que existe é dar uma festa de aniversário. Como temos várias personalidades temos, consequentemente, vários tipos de amigos. Juntar todos eles é difícil; muito difícil.
Tem os do PT e os do PSDB, os ricos e os pobres, os sofisticados e os totalmente simples, os intelectuais e os que nunca leram um livro, os famosos, os anônimos, e por aí vai. É bom ser versátil, mas não é fácil juntar pessoas tão diferentes que têm uma única coisa em comum: você. É nisso que dá ter colecionado gente tão diferente ao longo da vida.
Quando você percebe que seu amigo banqueiro está conversando com aquele que fez passeata contra a alta dos juros vai rolar um certo estresse, é claro. E quando você percebe que aquela modelo/manequim, que foi convidada só para enfeitar a festa, está pendurada no pescoço do marido de sua maior amiga ou, quem sabe, no do seu, faz o que? Dá uma de Daniela Cicarelli??
Fora esse pequeno problema da lista, existem todos os outros pelos quais passam todos os insensatos que resolvem dar uma festa. Às 7 da noite começa a paranóia. Será que vem alguém? E se vierem todos e cada um trouxer um amigo, em vez de serem 50 vão ser 100, e aí a comida não vai dar. E a bebida? E os copos? E o gelo? Que vida; pra que foi inventar?
Marcada para as 9, às 10h30 chegam os primeiros convidados, e você, que tomou sua primeira tequilas às 9 em ponto, está na quarta, e já achando o mundo uma maravilha. Como alguns amigos não aparecem e outros trazem mesmo alguém, o número permanece o mesmo: 50. Mas será que tudo vai correr bem, as pessoas vão se divertir? E a música, deve ser de dança ou quem sabe clássica, bem baixinho, para criar um clima fino, digamos assim? Como clima fino jamais animou festa alguma, é melhor começar logo com I will survive, e pronto.
Não pode se impedir de lembrar dos anos 70, quando havia festa todos os dias -e se não houvesse, se inventava. Olhando para trás, foram anos incríveis. Ninguém era rico, ninguém tinha dinheiro, ninguém trabalhava -não muito-, mas todo mundo vivia razoavelmente bem, éramos todos felizes, e as festas eram assim: para começar, nenhuma delas tinha uma só flor, nem DJ, nem jantar. Como eram inventadas de manhã, na praia, era só dizer a dois ou três amigos "hoje tem festa lá em casa" que eles se encarregavam de dizer para os outros. Como todo mundo pertencia à mesma turma, não tinha essa de telefonar para convidar, e a hora marcada era 11. A bebida era uísque nacional, e só; uísque, muito gelo, e água do filtro - nem club soda existia. E comida, nem pensar. Havia um toca-discos muito mixuruca, alguns amigos traziam uns LPs emprestados, e todo mundo tinha direito a trocar o disco na hora que quisesse.
Não era como agora que tem decorador, florista, DJ, bebidas variadas, lista na porta, manobrista - até porque pouquíssimos tinham carro. A festa não saía na coluna social, acabava com o dia raiando e o objetivo era um só: a gente se divertir.
E como se divertia.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br


Texto Anterior: Comparação
Próximo Texto: Há 50 anos: Objetivo dos EUA é a paz, diz Dulles
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.