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PASQUALE CIPRO NETO
"Ó Paí, Ó"
Como você leu a forma "paí"? Percebeu que há um acento? Ou leu como se fosse "pai"?A que se deve esse acento?
ESTÁ EM CARTAZ o filme "Ó Paí,
Ó", de Monique Gardenberg.
Ambientado no Pelourinho
(no centro histórico de Salvador), o
filme tem por título uma expressão
típica do baianês, em que "ó" é a redução de "olha" ou (como mais provavelmente diria um baiano) "olhe"
e "paí" é a fusão de algo como "para
aí". (Por falar em "baianês", por que
será que os grandes dicionários não
registram termos como "gauchês",
"cearensês" etc., que designam dialetos dos diversos Estados brasileiros e têm até dicionários próprios?)
Como você leu o título do filme?
Notou que há um acento em "paí" ou
leu como se fosse "pai"? A que se deve esse acento? Ou será que ele é indevido? Não é não, caro leitor.
Na verdade, para entender a razão
da existência desse acento é preciso
fazer uma pequena viagem pelos
fundamentos do nosso sistema de
acentuação gráfica. O princípio é o
da comparação/exclusão. Explico.
Tome-se como exemplo um par de
palavras como "mulher" e "açúcar".
Além da eventual doçura, que outra
semelhança há entre "mulher" e
"açúcar"? A terminação (as duas palavras terminam em "r"). Quanto à
posição da sílaba tônica, a dupla não
joga no mesmo time: "açúcar" é paroxítona; "mulher" é oxítona.
Pois é aí que entra o princípio da
comparação/exclusão. Já que as
duas palavras têm terminação igual
e sílaba tônica em posição diferente,
acentua-se apenas uma delas. Qual?
A que pertence ao grupo minoritário. E qual é esse grupo? O das oxítonas ou o das paroxítonas? Vou dar
uma dica: pense em dez, vinte, trinta
verbos (no infinitivo). Pensou? Escreveu-os? Percebeu que todos terminam em "r" e nenhum deles é paroxítono? Agora pense em dez, vinte, trinta palavras (de qualquer classe gramatical) paroxítonas terminadas em "r". Pensou? Escreveu-as?
Como diria Barbara Gancia, aposto
um picolé de limão que você não foi
muito longe. Ninguém iria. Sabe por
quê? Porque as paroxítonas terminadas em "r" não são abundantes.
O que se acentua, então? "Mulher" ou "açúcar", isto é, a oxítona
(terminada em "r") ou a paroxítona
(terminada em "r")? Vamos repetir:
a que pertence ao grupo minoritário
-a paroxítona terminada em "r", no
caso. É esse o norte do sistema de
acentuação gráfica de nossa língua.
No caso de "paí" e "pai", o que
ocorre? Em "paí", há duas sílabas
("pa-í"); em "pai", apenas uma. Em
"paí", ocorre hiato ("vogais contínuas que pertencem a sílabas diferentes", na definição do "Houaiss");
em "pai", há ditongo ("emissão de
dois fonemas vocálicos -vogal e semivogal ou vice-versa- numa mesma sílaba", também do "Houaiss").
É justamente porque há ditongos e
hiatos que se representam graficamente da mesma maneira que há
uma regra de acentuação que os diferencia. A esta altura, o leitor já deduziu como funciona a regra, não?
Vamos lá: há acento agudo no "i" e
no "u" quando essas vogais (tônicas)
forem as segundas de um hiato, desde que sós ou acompanhadas de "s":
saí, saía, saída, país, altruísta, Jaú,
alaúde, balaústre, Anhangabaú etc.
Nem preciso dizer que os hiatos são
menos numerosos que os ditongos.
Moral da história: não há acento
em ditongos como os de "pau" ou
"pai", logo há (acento) na segunda
vogal de hiatos como os de "baú" ou
"paí". Então, "Ó Paí, Ó". É isso.
inculta@uol.com.br
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