São Paulo, quinta-feira, 12 de abril de 2007

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PASQUALE CIPRO NETO

"Ó Paí, Ó"

Como você leu a forma "paí"? Percebeu que há um acento? Ou leu como se fosse "pai"?A que se deve esse acento?

ESTÁ EM CARTAZ o filme "Ó Paí, Ó", de Monique Gardenberg. Ambientado no Pelourinho (no centro histórico de Salvador), o filme tem por título uma expressão típica do baianês, em que "ó" é a redução de "olha" ou (como mais provavelmente diria um baiano) "olhe" e "paí" é a fusão de algo como "para aí". (Por falar em "baianês", por que será que os grandes dicionários não registram termos como "gauchês", "cearensês" etc., que designam dialetos dos diversos Estados brasileiros e têm até dicionários próprios?) Como você leu o título do filme?
Notou que há um acento em "paí" ou leu como se fosse "pai"? A que se deve esse acento? Ou será que ele é indevido? Não é não, caro leitor. Na verdade, para entender a razão da existência desse acento é preciso fazer uma pequena viagem pelos fundamentos do nosso sistema de acentuação gráfica. O princípio é o da comparação/exclusão. Explico. Tome-se como exemplo um par de palavras como "mulher" e "açúcar".
Além da eventual doçura, que outra semelhança há entre "mulher" e "açúcar"? A terminação (as duas palavras terminam em "r"). Quanto à posição da sílaba tônica, a dupla não joga no mesmo time: "açúcar" é paroxítona; "mulher" é oxítona. Pois é aí que entra o princípio da comparação/exclusão. Já que as duas palavras têm terminação igual e sílaba tônica em posição diferente, acentua-se apenas uma delas. Qual? A que pertence ao grupo minoritário. E qual é esse grupo? O das oxítonas ou o das paroxítonas? Vou dar uma dica: pense em dez, vinte, trinta verbos (no infinitivo). Pensou? Escreveu-os? Percebeu que todos terminam em "r" e nenhum deles é paroxítono? Agora pense em dez, vinte, trinta palavras (de qualquer classe gramatical) paroxítonas terminadas em "r". Pensou? Escreveu-as?
Como diria Barbara Gancia, aposto um picolé de limão que você não foi muito longe. Ninguém iria. Sabe por quê? Porque as paroxítonas terminadas em "r" não são abundantes. O que se acentua, então? "Mulher" ou "açúcar", isto é, a oxítona (terminada em "r") ou a paroxítona (terminada em "r")? Vamos repetir: a que pertence ao grupo minoritário -a paroxítona terminada em "r", no caso. É esse o norte do sistema de acentuação gráfica de nossa língua.
No caso de "paí" e "pai", o que ocorre? Em "paí", há duas sílabas ("pa-í"); em "pai", apenas uma. Em "paí", ocorre hiato ("vogais contínuas que pertencem a sílabas diferentes", na definição do "Houaiss"); em "pai", há ditongo ("emissão de dois fonemas vocálicos -vogal e semivogal ou vice-versa- numa mesma sílaba", também do "Houaiss"). É justamente porque há ditongos e hiatos que se representam graficamente da mesma maneira que há uma regra de acentuação que os diferencia. A esta altura, o leitor já deduziu como funciona a regra, não?
Vamos lá: há acento agudo no "i" e no "u" quando essas vogais (tônicas) forem as segundas de um hiato, desde que sós ou acompanhadas de "s": saí, saía, saída, país, altruísta, Jaú, alaúde, balaústre, Anhangabaú etc. Nem preciso dizer que os hiatos são menos numerosos que os ditongos. Moral da história: não há acento em ditongos como os de "pau" ou "pai", logo há (acento) na segunda vogal de hiatos como os de "baú" ou "paí". Então, "Ó Paí, Ó". É isso.

inculta@uol.com.br


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