São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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ESTRANHOS NO PARAÍSO

Menina foi usada como "garantia" por quadrilha mexicana que ajudou brasileira a entrar nos EUA

Imigrante ilegal deixa filha como refém

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Uma menina brasileira de dois anos foi mantida como refém por pelo menos três dias no lado mexicano da fronteira com os Estados Unidos. O resgate seria a segunda parte do pagamento que uma quadrilha especializada em colocar imigrantes ilegais no país estava cobrando de sua mãe.
A Patrulha da Fronteira de Yuma, no Arizona, descobriu o caso ao parar para interrogar os ocupantes do carro que levava a paulistana de 32 anos, cujo nome não foi revelado, e sua filha mais velha, de 9 anos, conforme revelaram à Folha oficiais da policia.
"Ela começou a gaguejar em português e acabou dizendo que uma quadrilha de mexicanos estava com sua filha mais nova num hotel na região de Mexicali [cidade mexicana na fronteira" e esperava ela depositar mais US$ 4 mil, além dos US$ 6 mil já pagos, para libertar a menina", disse à Folha Michael McGlasson, da Patrulha da Fronteira de Yuma.
Em colaboração com as autoridades mexicanas, agentes da força de San Diego, na Califórnia, que patrulham a divisa de toda a região, conseguiram libertar a criança, que está agora sob custódia do Estado. Até a conclusão desta edição, mãe e filha mais velha estavam presas, acusadas de tentar entrar ilegalmente no país.
A fiança de cada uma delas é de US$ 10 mil. O pai das meninas, também brasileiro e trabalhando em Boston (Massachusetts), cidade que era o destino das três, ainda não contratou advogado para o caso. Ele pediu que as autoridades não divulgassem os nomes de ninguém da família e se recusa a falar com a imprensa.
Nos últimos dias, a Folha tentou por várias vezes, sem sucesso, falar com a pessoa responsável pelo caso no Consulado Brasileiro em San Francisco, que responde pela região de Yuma.
À polícia de San Diego, Adriana Coogan, do consulado em Los Angeles, disse que os esforços da diplomacia eram para libertar a menina de dois anos. "Imagine uma criança nas mãos de pessoas estranhas. Não sabíamos o que eles poderiam fazer", afirmou.

Brasileiros e sequestros
O crime envolvendo as três brasileiras confirma duas tendências que a Patrulha da Fronteira de San Diego vem registrando desde o final do ano passado: 1) os brasileiros estão entre as principais nacionalidades de imigrantes ilegais latinos presos na região, só perdendo no ano passado para os iraquianos e, claro, os mexicanos; 2) as quadrilhas que vendem acesso ilegal aos EUA para imigrantes, na maior parte das vezes comandadas por mexicanos, estão utilizando cada vez mais o recurso de sequestrar alguém da família como maneira de garantir o resto do pagamento das pessoas que contratam seus serviços.
"Geralmente eles pegam como refém o membro mais novo do grupo, não importa a idade", disse à Folha Lauren Mack, do Departamento de Imigração de San Diego. "Este é enviado no próximo grupo, assim que o pagamento cai na conta deles."
A região é a mais movimentada da extensa fronteira dos EUA com o México. São mais de 200 quilômetros, que englobam os condados de San Diego, Tijuana e Imperial e abarcam os Estados da Califórnia e do Arizona.
No ano passado, 50 mil imigrantes ilegais foram presos tentando entrar. Destes, 96% são mexicanos. Dos outros países, o Brasil aparece em segundo lugar, com 131 presos. "Trabalho há 16 anos na fronteira e nunca vi tanto brasileiro querendo passar para o lado de cá", disse Michael McGlasson, de Yuma.
Entre as cinco nacionalidades que tiveram mais imigrantes presos pela Patrulha da Fronteira de San Diego em 2001 e até abril de 2002, a brasileira é a única da América do Sul. Em anos anteriores, os casos eram tão esporádicos que o país nem sequer aparecia nas estatísticas oficiais.
Segundo o agente, o pacote cobrado pelas quadrilhas, que custa geralmente US$ 10 mil mas pode chegar a US$ 16 mil, começa com a passagem de avião, em vôos que saem de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
O primeiro destino é a Cidade do México. De lá, o imigrante ilegal vai de ônibus para uma das cidades da fronteira, preferencialmente na região de Mexicali. Então, aguarda o melhor dia para entrar ilegalmente nos EUA.
Dependendo do valor pago, pode ser com documentos falsos (mais caro) ou escondido em caminhões, ônibus e vans (mais barato), muitas vezes em condições subumanas.
"São pessoas perigosíssimas, que não hesitam um segundo em deixar o imigrante abandonado no meio do deserto, se sentirem que há algo errado no ar", disse McGlasson.

Língua portuguesa
O aumento no número de casos envolvendo brasileiros fez com que o Serviço de Inteligência da Patrulha da Fronteira contratasse um agente cuja principal qualidade é falar português, o único da força por enquanto, que é cada vez mais requisitado.
"Seu nome e nacionalidade são mantidos em sigilo, já que ele é utilizado em missões secretas que frequentemente envolvem ida ao México e envolvimento com membros das quadrilhas", disse Lauren Mack, do Departamento de Imigração.



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