São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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COMPORTAMENTO

Apesar de a estrutura familiar ter mudado, mulheres continuam a se sentir principais responsáveis pelos filhos

Sentimento de culpa atormenta mães

GABRIELA ATHIAS
AURELIANO BIANCARELLI

DA REPORTAGEM LOCAL

Nesses tempos de casamentos instáveis e de desemprego em alta em que, para completar, as mulheres viraram chefes de família, a célebre frase de gosto duvidoso sobre a maternidade -"ser mãe é padecer no paraíso"- ficou mais atual do que nunca.
Isso porque a estrutura familiar mudou, mas as mães continuam se sentindo as principais responsáveis pelos filhos, e se sentem angustiadas se, por algum motivo, pensam que estão fazendo por eles menos do que deveriam. Se o filho não tem o que sonhava, a responsável será ela. Se algo acontecer a ele, ela será a "culpada".
Terapeutas e mães, quando falam sobre esse tema, fazem crer que maternidade e culpa, pelo menos em algum período da vida, são indissociáveis. Só que algumas mulheres conseguem se livrar desse sentimento.
"Culturalmente, atribui-se à mãe a função de ser provedora da felicidade dos filhos", diz Maria Helena Pereira Franco, psicoterapeuta da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "Quando essa felicidade, por alguma razão, é quebrada ou não acontece, a mãe se sente culpada."
O resultado disso, diz Maria Helena, é que as mães acabam sentindo culpa por tudo o que acontece com os filhos, mesmo que o fato nada tenha a ver com elas.
As diversas funções das mulheres que, além de mães, são provedoras cria situações ainda mais angustiantes, como falta de tempo e de disposição para ficar com os filhos, decorrente do estresse e da sobrecarga de trabalho.
"As mulheres estão sozinhas no trabalho e dentro de casa", diz a socióloga Elisabete Doria Bilac, pesquisadora do Nepu (Núcleo de Estudos da População da Unicamp), associado à Rede Feminista de Sexualidade e Saúde.
Para a terapeuta familiar Rosely Sayão, vincular o sentimento de culpa que envolve a maternidade apenas ao fato de a mulher trabalhar fora é camuflar uma situação mais complexa. Segundo ela, a culpa também é decorrente do fato de a mãe ser, além de uma referência de afeto, também uma educadora. "Educar também é dizer não", diz ela. E, ao exercer esse papel, muitas vezes as mães contrariam os filhos. Nesses casos, também sentem culpa.
A advogada Cecília Pozelli, 40, criou a filha, Pâmella, 13, sozinha. Quando a menina fez seis anos começou a solicitar a mãe em tempo integral. Se Cecília saía para se divertir, Pâmella chorava. "Para mim era terrível sair e deixá-la chorando, mas isso passa."
A terapeuta Lia Lage diz que a quebra do modelo tradicional de família, composto por pai, mãe, irmãos e avós, exige que as mulheres reinventem a prática da maternidade. "As relações entre mães e filhos são de igual para igual. As crianças participam muito mais do próprio processo educativo", diz ela.
Os sentimentos de sobrecarga e de culpa em relação aos filhos são compartilhados por mulheres pobres e ricas, com o agravante de que a falta de creches públicas dificulta mais a vida das primeiras.
A empregada doméstica Celina Ferreira, 35, mãe de Jucinara, 6, sai de manhã, deixa a filha na escolinha, e só retorna no início da noite. Só conta com uma amiga que pega a menina nas duas escolas até que ela a recolha à noite.
"Ela pede para ler uma historinha, eu leio correndo, ela pede mais uma, eu tenho de passar roupa. Ela chora para ir no parque, eu só posso sair uma vez por mês. Vejo-a revoltada, fico confusa, cheia de culpa", diz Celina.
A história de Ordi Alves de Araújo, 44, seria parecida se não houvesse uma tragédia: sua filha Viviane, 12, se queimou gravemente mexendo no fogão enquanto ela trabalhava fora. Proibida de usar o fogão quando estava sozinha, Viviane desobedeceu a regra tentando preparar um hambúrguer. Teve queimaduras graves nas coxas, pernas e pés, ficou um mês no hospital, perdeu o ano na escola e terá de passar por cirurgias reparadoras e tratamento psicológico.
"Com o aumento da média de vida, a mulher de 45, 50 anos ainda está cuidando dos filhos, já está assumindo os netos e têm os pais para tomar conta", diz a socióloga Elisabete Doria Bilac.
Para ela, nesse cenário é difícil não sentir culpa. "Se a mãe está em casa, pode pensar que deveria estar trabalhando para sustentar os filhos. Se trabalha, se angustia com a distância das crianças."



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