São Paulo, sábado, 12 de junho de 2004

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AÇÃO AFIRMATIVA

Candidatos ganham R$ 2.500 para a preparação ao concurso

Bolsa atrai mais negros ao Itamaraty

Alan Marques/Folha Imagem
Leonardo Souza e Marise Guebel, aprovados para o Rio Branco


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Uma bolsa de R$ 2.500 mensais durante dez meses foi oferecida para afrodescendentes interessados na carreira diplomática se prepararem para o concurso do Instituto Rio Branco, um dos mais exigentes do país.
O resultado da ação: quadruplicou, em dois anos, o número de interessados pela bolsa, dois bolsistas são diplomatas e aumentou o índice de candidatos ao concurso do Rio Branco que se autodeclararam negros.
"No primeiro concurso após a implantação do programa de bolsas, seis aprovados na fase final se declararam afrodescendentes. Nos dois concursos anteriores, não havia nenhum", diz o embaixador João Almino, diretor do Instituto Rio Branco.
Segundo o embaixador, isso reflete uma mudança de mentalidade. "Talvez as pessoas não se julgassem afrodescendentes."
Até o final da década de 90, o Itamaraty não solicitava autodeclaração de raça dos candidatos. Atualmente, estima-se que, dos cerca de mil diplomatas brasileiros, apenas 1% se declaram afrodescendentes ou negros.
"A raça de uma pessoa é aquela que ela reconhece. Daí a importância da autodeclaração", diz a diplomata Marise Nogueira Guebel, 39, primeira bolsista aprovada no concurso do Rio Branco.
No momento em que ocorre um polêmico debate sobre a criação ou não de cotas para negros no ensino superior público e particular, o programa "Bolsas-Prêmio de Vocação para a Diplomacia" seleciona a terceira turma de bolsistas afrodescendentes.
Criado em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso, o programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco foi uma resposta à "Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e a Intolerância Correlata", realizada em Durban, na África do Sul.
"O sistema implantado no Itamaraty valoriza o mérito do candidato ao permitir que ele invista em educação por um período. Mesmo os bolsistas não-aprovados no concurso são reconhecidos depois pelo grau de preparo", afirma Almino.

Sem discriminação interna
Para o embaixador, o sistema de reserva de vagas no concurso (cotas) não funcionaria no órgão. "Se criássemos um sistema que fugisse da valorização do mérito do candidato, poderíamos criar uma discriminação interna."
Os candidatos à bolsa devem se declarar afrodescendentes e estar no último ano ou ter concluído um curso de graduação reconhecido pelo Ministério da Educação. Passam por um processo seletivo, que inclui análise de currículo e entrevistas.
Em 2002, foram 403 inscrições para 20 bolsas. No ano passado, a procura praticamente quadruplicou, passando para 1.689 candidatos para 30 vagas.
Os aprovados recebem por mês uma bolsa (hoje em R$ 2.500) a ser investida em material bibliográfico, pagamento de cursos ou professores das disciplinas exigidas no concurso de admissão à carreira de diplomata. Prestam contas ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que administra as bolsas. O salário inicial de um diplomata é de R$ 4.000.
No concurso do primeiro semestre de 2003, dos 5.791 candidatos a uma vaga no Itamaraty, 643 se declararam afrodescendentes -11,1% do total. Na seleção seguinte, dos 2.659 candidatos, 400 se disseram afrodescendentes, 15,04% do total.
"A questão do negro no Brasil pode caminhar junto com a discriminação social, mas não podemos deixar de reconhecer que existe racismo", diz Guebel.
Filha de pais funcionários públicos com nível médio de escolaridade, a diplomata sempre estudou em escola pública, até a graduação, quando se formou em medicina. Para ela, cotas podem gerar discriminação.
Posição semelhante tem seu colega Leonardo Antonio Onofre de Souza, 30, o segundo bolsista aprovado no Rio Branco. Economista formado na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), ele diz esperar que sua posição sirva de referência a jovens.
"Ver que outros negros ocupam posições de destaque na sociedade pode servir de estímulo."
(LUCIANA CONSTANTINO)

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