São Paulo, sábado, 12 de junho de 2004

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VIOLÊNCIA

Para promotor, gravação aponta tráfico de influência

CPI investiga acusado de mandar assassinar mulheres no Ceará

KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA

Gravações feitas a pedido da Justiça e entregues nesta semana à CPI do Extermínio apontam a tentativa de uso do tráfico de influência de um acusado de ser o mandante da morte de duas mulheres no Cariri, sul do Ceará, para se esquivar das investigações. Na região, 57 mulheres foram assassinadas de 2001 a 2003.
O advogado Alfredo Couto foi denunciado, com outras quatro pessoas, pela morte da publicitária Luiza Alexandra de Alencar e da servidora pública Maria Eliane Gonçalves da Silva, em junho de 2001, em Juazeiro do Norte. Ele e o acusado de ter contratado os matadores continuam soltos.
As duas foram mortas no momento em que explodiu uma onda de violência contra mulheres no Cariri. De maio de 2001 a novembro de 2003, 57 mulheres foram mortas de forma violenta em municípios da região. Esses dados e o inquérito com as degravações foram entregues pela União das Mulheres do Ceará à CPI.
Entre as mortes, há casos de crimes passionais, de queima de arquivo e até de envolvimento com o crime organizado. A maioria tem uma semelhança: os mandantes não foram condenados.

Passional
A denúncia contra o advogado é de que as mortes teriam motivação passional. Couto reconhece que mantinha um caso extraconjugal com Alencar, mas nega participação no crime.
O envolvimento amoroso entre os dois foi o fio condutor das investigações, de acordo com o promotor Germano Guimarães Rodrigues, mas não a única evidência. Segundo a denúncia, Silva morreu por ser amiga de Alencar e "saber demais".
A morte das amigas foi bastante violenta. Foram verificadas marcas de tortura, como unhas e dedos arrancados e partes do corpo decepadas ainda com vida. Por fim, as duas foram queimadas.
Como executores, foram denunciados três homens, que estão presos, aguardando julgamento. Sob a acusação de ter contratado matadores, foi denunciado o empresário Aníbal Couto Gondim, primo de Couto.
Por causa da suspeita de envolvimento, foram autorizadas pela Justiça escutas às ligações telefônicas de Couto. Foram gravadas 22 fitas, transcritas em cerca de 800 páginas.
Nas conversas, não há confissão nem evidências de envolvimento, mas há indícios de tentativa do uso do tráfico de influência para mudar os rumos da investigação, como concluiu o promotor.
A família de Couto é conhecida no meio jurídico cearense. Couto quase chegou a ser indicado ao Tribunal Regional Eleitoral, o que não aconteceu por causa da denúncia de envolvimento nas mortes. Como álibis para provar que não estava em Juazeiro do Norte no dia dos assassinatos, Couto afirmou ter estado com políticos e desembargadores em Fortaleza.
Nas gravações, Couto cita a amizade com desembargadores e políticos, além da tentativa de interferência de autoridades do governo e da chefia do Ministério Público a agentes que estavam à frente das investigações.
Em diálogo com um jornalista, Couto diz que Socorro França, chefe do Ministério Público Estadual, havia ligado para um promotor pedindo cópia do inquérito, mas o promotor disse não poder fazê-lo por estar em segredo de Justiça. "Rapaz, esse pessoal [promotores] precisa levar... umas porradas na cabeça", diz.
Em setembro de 2001, Couto chegou a ser preso, com Gondim, mas conseguiu um habeas corpus do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A Justiça ainda não definiu se acata ou não a denúncia feita pelo Ministério Público.


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