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DEBATE
Especialistas concluem que ações como a lei seca e o policiamento comunitário fazem cair violência no Estado
Ação focalizada reduz homicídios em SP
DA REPORTAGEM LOCAL
Segurança pública não se faz só
com polícia na rua. Para dar resultados positivos, é preciso envolver
os moradores com políticas sociais e utilizar em cada região as
armas certas -trocando a pólvora pelo planejamento.
Partindo dessa premissa e adotando termos como "policiamento comunitário" e "lei seca", o Estado de São Paulo -e algumas
das principais cidades- vem
conseguindo reduzir gradativamente nos últimos quatro anos os
índices de homicídios.
Os números paulistas ainda assustam. São 30 mortes por dia,
mais até do que no Iraque, onde
nos últimos 12 meses morreram
22 civis a cada dia. Mas o caminho
trilhado em São Paulo nesta década é correto, concordam especialistas em segurança pública que
participaram na última terça-feira
de debate realizado na Folha.
É o que Paulo Sérgio Pinheiro
chama de "focalização" de ações.
Expert independente do secretário-geral das Nações Unidas para
estudos sobre violência e pesquisador do Núcleo de Estudos da
Violência da USP, ele disse que os
programas adotados em São Paulo estão dando certo porque foram focados nos jovens de 18 a 25
anos que vivem nas periferias das
cidades -justamente a população mais afetada pela violência.
Diretor do Instituto Sou da Paz,
Denis Mizne definiu essas ações
como uma "terceira via". "Antigamente, havia um debate estéril
que opunha a prevenção à repressão. Agora, o Estado e a sociedade
civil organizada estão agindo em
conjunto, principalmente nos
bolsões de pobreza. A saída não é
simples e precisa ser feita com
parcerias", afirmou.
Um bom exemplo de eficiência
foi apresentado pelo prefeito de
Diadema, José de Filippi Júnior
(PT), prefeito de Diadema -município da Grande São Paulo que
já foi recordista de homicídios no
país, com 41 casos em apenas um
mês, em junho de 1999.
Desde que assumiu a prefeitura,
em 2001, Filippi Júnior passou a
reunir-se com o comando da Polícia Militar de Diadema. Foram
adotadas ações específicas para
cada área da cidade.
Após examinar os mapas da
violência, descobriram que muitos roubos eram praticados com o
auxílio de motos. E que os homicídios se concentravam nos finais
de semana em ruas onde havia
bares abertos a noite toda -fenômeno comum no Brasil.
Foi implantada a "lei seca", que
prevê o fechamentos dos 4.800
bares de Diadema após a meia-noite. E ampliou-se a fiscalização.
O efetivo da guarda civil metropolitana cresceu e a prefeitura investiu na urbanização de favelas,
além de ter criado um programa
que garante um auxilio financeiro
a jovens de 14 e 15 anos que freqüentam a escola.
Os resultados logo apareceram.
Em dois anos, o prefeito calcula
ter evitado 273 assassinatos. "Dirigimos nossas ações a áreas de
maior risco social e a um público
jovem, que está mais exposto a essa violência", afirmou.
Coronel da reserva da PM e ex-secretário Nacional da Segurança
Pública, José Vicente da Silva Filho concorda que a redução da
degradação urbana nas áreas carentes é uma boa maneira de reduzir comportamentos violentos.
Mas acredita que o diferencial
de São Paulo foi o investimento
na formação do policial. "Agora,
exige-se segundo grau completo e
o curso é mais longo [dura 13 meses] e abrangente."
O secretário estadual da Segurança Pública, Saulo de Castro
Abreu Filho, destaca o Infocrim
[implantado em setembro de
2000] como uma das ferramentas
mais importantes para a melhoria
do combate ao crime. É um banco
de dados informatizado que possibilita pesquisas refinadas, trazendo horários, locais e circunstâncias das ocorrências policiais.
O secretário também aponta a
maior eficiência das investigações
como fator essencial para a redução dos homicídios em São Paulo.
"A impunidade estimula o crime.
No Jardim Ângela [zona sul], que
já foi recordista de mortes na capital paulista, atingimos um índice de esclarecimento de chacinas
de até 90% em certos períodos. O
resultado é que houve queda de
54% desse tipo de crime [entre
2001 e 2004]", afirmou.
Um dos responsáveis por outra
ação importante no Jardim Ângela -a implantação do policiamento comunitário-, o padre irlandês Jaime Crowe fez um aparte
no debate organizado pela Folha.
Ele é um dos coordenadores do
Fórum de Defesa da Vida, que
reúne líderes religiosos e das favelas locais e organiza cursos profissionalizantes e atividades de esclarecimento sobre álcool e drogas para jovens, entre outros.
Sua definição sobre a mudança
do comportamento da polícia no
Jardim Ângela é sintomática dos
novos tempos de um distrito que
já foi considerado pelas Nações
Unidas, em 1996, o local mais violento do planeta, desbancando até
mesmo Cali, na Colômbia.
"Antigamente, só víamos a Rota
com as metralhadoras para fora
da viatura circulando pelo bairro.
Hoje, com as cinco bases da polícia comunitária, há diálogo e uma
interação real entre o PM e o cidadão. São pequenas ações que fazem a diferença", afirmou Crowe.
(FABIO SCHIVARTCHE)
FOCALIZAÇÃO
"Cada cidade tem um perfil de
violência diferente. É preciso haver um grande investimento dos
Estados e das prefeituras para
compensar a tendência de aumento dessa violência, como em
Campinas (interior de São Paulo),
hoje uma das dez cidades mais
violentas do Estado. Tivemos administrações desastradas, com
falta de políticas públicas municipais em algumas cidades do interior, onde os homicídios aumentaram muito nos últimos anos."
José Vicente da Silva
NOVO OLHAR
"Quando assumi a secretaria, havia dois enfoques na mídia sobre
os policiais: ou eles eram corruptos ou muitos esforçados, porém
incompetentes. O fato é que não
se fazia análise criminal com profundidade. Tentamos incutir na
polícia a importância dos dados,
de conhecer as estatísticas, não só
da criminalidade, mas também
do crescimento da cidade e principalmente da exclusão social. Entregamos prêmios para repetir as
boas práticas e a polícia começou
a pensar com outras ciências."
Saulo de Castro Abreu Filho
LEI SECA
"Já são três anos de fiscalização
contínua nos 4.800 bares do município de Diadema. No início,
82% da população apoiava a restrição. Hoje, 93% aprovam a lei
seca. E entre as mulheres o apoio é
maior, de 100%. Foi uma medida
altamente eficaz, pois em dois
anos salvamos 273 vidas."
José de Filippi Jr.
"O fechamento de bares nas madrugadas é importante, mas é
preciso dar espaços de lazer aos
habitantes e implantar outras
ações sociais efetivas. Não podemos cair no mito de que a lei seca
resolveu todos os problemas."
Denis Mizne
"O bar aberto de madrugada não
é problemático por si só, mas é
um foco de reunião da desordem."
José Vicente da Silva
DESARMAMENTO
"Fizemos quatro campanhas de
desarmamento infantil, nas quais
recolhemos mais de 20 mil armas
de brinquedo e trocamos por revistinhas em quadrinhos. E, em
junho de 2004, fomos a primeira
cidade a fazer convênio com a Polícia Federal. Já temos 1.500 armas
recolhidas nessa campanha."
José de Filippi Jr.
"São Paulo é o Estado com a melhor política de controle de armas.
E isso é relevante. O número de
concessões de porte caiu. Por outro lado, é o Estado recordista em
entrega de armas na campanha
do governo federal, com 125 mil
unidades até agora."
Denis Mizne
"O que está ao nosso alcance é o
referendo das armas [que tratará
sobre a proibição da venda de armas de fogo no país e está previsto
para outubro]. O governo federal
deveria investir tudo nisso."
Paulo Sérgio Pinheiro
CULTURA DA VIOLÊNCIA
"Vivemos sob a cultura da violência. Há muitas armas em circulação, e os projetos são montados
pensando numa lógica de repressão. Tem de haver uma nova relação da sociedade civil com o Estado. Cada ator tem seu espaço. A
sociedade civil deve propor [medidas contra a violência] sem
abrir mão de seu papel crítico. Os
prefeitos também devem investir
na segurança. E a polícia deve agir
de forma integrada, focando suas
ações juntamente com os investimentos sociais estratégicos.
A cultura da violência ainda impera na nossa sociedade, que banaliza o valor da vida. A arma dá
visibilidade aos jovens. Por isso é
preciso dar opções para os jovens
se inserirem na sociedade."
Denis Mizne
"A democracia no Brasil não resolveu a questão do direito à vida.
Ainda nos colocamos num patamar [de violência] quase sem
concorrência no mundo."
Paulo Sérgio Pinheiro
MUDANÇA
"A tendência de redução da violência é marcante, mas precisamos avançar nesse processo. É como andar de bicicleta: não podemos deixar de pedalar, pois ainda
estamos longe. Os índices de homicídio no Brasil são altos mesmo
se comparados a países da África.
Somos o segundo país do mundo
em mortes por arma de fogo. Temos que disseminar essas políticas que deram certo."
José de Filippi Jr.
PROMESSA
"Até o final de 2005 vamos ter outra polícia, com outra cara, e os resultados já começam a aparecer.
Mas a imprensa precisa nos ajudar, principalmente na sensação
de segurança."
Saulo de Castro Abreu Filho
"Ampliamos a urbanização de favelas. Agora, queremos revestir as
casinhas da população mais carente de Diadema."
José de Filippi Jr.
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