São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005

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DEBATE

Especialistas concluem que ações como a lei seca e o policiamento comunitário fazem cair violência no Estado
Ação focalizada reduz homicídios em SP

DA REPORTAGEM LOCAL

Segurança pública não se faz só com polícia na rua. Para dar resultados positivos, é preciso envolver os moradores com políticas sociais e utilizar em cada região as armas certas -trocando a pólvora pelo planejamento.
Partindo dessa premissa e adotando termos como "policiamento comunitário" e "lei seca", o Estado de São Paulo -e algumas das principais cidades- vem conseguindo reduzir gradativamente nos últimos quatro anos os índices de homicídios.
Os números paulistas ainda assustam. São 30 mortes por dia, mais até do que no Iraque, onde nos últimos 12 meses morreram 22 civis a cada dia. Mas o caminho trilhado em São Paulo nesta década é correto, concordam especialistas em segurança pública que participaram na última terça-feira de debate realizado na Folha.
É o que Paulo Sérgio Pinheiro chama de "focalização" de ações. Expert independente do secretário-geral das Nações Unidas para estudos sobre violência e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, ele disse que os programas adotados em São Paulo estão dando certo porque foram focados nos jovens de 18 a 25 anos que vivem nas periferias das cidades -justamente a população mais afetada pela violência.
Diretor do Instituto Sou da Paz, Denis Mizne definiu essas ações como uma "terceira via". "Antigamente, havia um debate estéril que opunha a prevenção à repressão. Agora, o Estado e a sociedade civil organizada estão agindo em conjunto, principalmente nos bolsões de pobreza. A saída não é simples e precisa ser feita com parcerias", afirmou.
Um bom exemplo de eficiência foi apresentado pelo prefeito de Diadema, José de Filippi Júnior (PT), prefeito de Diadema -município da Grande São Paulo que já foi recordista de homicídios no país, com 41 casos em apenas um mês, em junho de 1999.
Desde que assumiu a prefeitura, em 2001, Filippi Júnior passou a reunir-se com o comando da Polícia Militar de Diadema. Foram adotadas ações específicas para cada área da cidade.
Após examinar os mapas da violência, descobriram que muitos roubos eram praticados com o auxílio de motos. E que os homicídios se concentravam nos finais de semana em ruas onde havia bares abertos a noite toda -fenômeno comum no Brasil.
Foi implantada a "lei seca", que prevê o fechamentos dos 4.800 bares de Diadema após a meia-noite. E ampliou-se a fiscalização.
O efetivo da guarda civil metropolitana cresceu e a prefeitura investiu na urbanização de favelas, além de ter criado um programa que garante um auxilio financeiro a jovens de 14 e 15 anos que freqüentam a escola.
Os resultados logo apareceram. Em dois anos, o prefeito calcula ter evitado 273 assassinatos. "Dirigimos nossas ações a áreas de maior risco social e a um público jovem, que está mais exposto a essa violência", afirmou.
Coronel da reserva da PM e ex-secretário Nacional da Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho concorda que a redução da degradação urbana nas áreas carentes é uma boa maneira de reduzir comportamentos violentos.
Mas acredita que o diferencial de São Paulo foi o investimento na formação do policial. "Agora, exige-se segundo grau completo e o curso é mais longo [dura 13 meses] e abrangente."
O secretário estadual da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, destaca o Infocrim [implantado em setembro de 2000] como uma das ferramentas mais importantes para a melhoria do combate ao crime. É um banco de dados informatizado que possibilita pesquisas refinadas, trazendo horários, locais e circunstâncias das ocorrências policiais.
O secretário também aponta a maior eficiência das investigações como fator essencial para a redução dos homicídios em São Paulo. "A impunidade estimula o crime. No Jardim Ângela [zona sul], que já foi recordista de mortes na capital paulista, atingimos um índice de esclarecimento de chacinas de até 90% em certos períodos. O resultado é que houve queda de 54% desse tipo de crime [entre 2001 e 2004]", afirmou.
Um dos responsáveis por outra ação importante no Jardim Ângela -a implantação do policiamento comunitário-, o padre irlandês Jaime Crowe fez um aparte no debate organizado pela Folha.
Ele é um dos coordenadores do Fórum de Defesa da Vida, que reúne líderes religiosos e das favelas locais e organiza cursos profissionalizantes e atividades de esclarecimento sobre álcool e drogas para jovens, entre outros.
Sua definição sobre a mudança do comportamento da polícia no Jardim Ângela é sintomática dos novos tempos de um distrito que já foi considerado pelas Nações Unidas, em 1996, o local mais violento do planeta, desbancando até mesmo Cali, na Colômbia.
"Antigamente, só víamos a Rota com as metralhadoras para fora da viatura circulando pelo bairro. Hoje, com as cinco bases da polícia comunitária, há diálogo e uma interação real entre o PM e o cidadão. São pequenas ações que fazem a diferença", afirmou Crowe.
(FABIO SCHIVARTCHE)
FOCALIZAÇÃO
"Cada cidade tem um perfil de violência diferente. É preciso haver um grande investimento dos Estados e das prefeituras para compensar a tendência de aumento dessa violência, como em Campinas (interior de São Paulo), hoje uma das dez cidades mais violentas do Estado. Tivemos administrações desastradas, com falta de políticas públicas municipais em algumas cidades do interior, onde os homicídios aumentaram muito nos últimos anos."
José Vicente da Silva


NOVO OLHAR
"Quando assumi a secretaria, havia dois enfoques na mídia sobre os policiais: ou eles eram corruptos ou muitos esforçados, porém incompetentes. O fato é que não se fazia análise criminal com profundidade. Tentamos incutir na polícia a importância dos dados, de conhecer as estatísticas, não só da criminalidade, mas também do crescimento da cidade e principalmente da exclusão social. Entregamos prêmios para repetir as boas práticas e a polícia começou a pensar com outras ciências."
Saulo de Castro Abreu Filho

LEI SECA
"Já são três anos de fiscalização contínua nos 4.800 bares do município de Diadema. No início, 82% da população apoiava a restrição. Hoje, 93% aprovam a lei seca. E entre as mulheres o apoio é maior, de 100%. Foi uma medida altamente eficaz, pois em dois anos salvamos 273 vidas."
José de Filippi Jr.

"O fechamento de bares nas madrugadas é importante, mas é preciso dar espaços de lazer aos habitantes e implantar outras ações sociais efetivas. Não podemos cair no mito de que a lei seca resolveu todos os problemas."
Denis Mizne

"O bar aberto de madrugada não é problemático por si só, mas é um foco de reunião da desordem."
José Vicente da Silva

DESARMAMENTO
"Fizemos quatro campanhas de desarmamento infantil, nas quais recolhemos mais de 20 mil armas de brinquedo e trocamos por revistinhas em quadrinhos. E, em junho de 2004, fomos a primeira cidade a fazer convênio com a Polícia Federal. Já temos 1.500 armas recolhidas nessa campanha."
José de Filippi Jr.

"São Paulo é o Estado com a melhor política de controle de armas. E isso é relevante. O número de concessões de porte caiu. Por outro lado, é o Estado recordista em entrega de armas na campanha do governo federal, com 125 mil unidades até agora."
Denis Mizne

"O que está ao nosso alcance é o referendo das armas [que tratará sobre a proibição da venda de armas de fogo no país e está previsto para outubro]. O governo federal deveria investir tudo nisso."
Paulo Sérgio Pinheiro

CULTURA DA VIOLÊNCIA
"Vivemos sob a cultura da violência. Há muitas armas em circulação, e os projetos são montados pensando numa lógica de repressão. Tem de haver uma nova relação da sociedade civil com o Estado. Cada ator tem seu espaço. A sociedade civil deve propor [medidas contra a violência] sem abrir mão de seu papel crítico. Os prefeitos também devem investir na segurança. E a polícia deve agir de forma integrada, focando suas ações juntamente com os investimentos sociais estratégicos.
A cultura da violência ainda impera na nossa sociedade, que banaliza o valor da vida. A arma dá visibilidade aos jovens. Por isso é preciso dar opções para os jovens se inserirem na sociedade."
Denis Mizne

"A democracia no Brasil não resolveu a questão do direito à vida. Ainda nos colocamos num patamar [de violência] quase sem concorrência no mundo."
Paulo Sérgio Pinheiro

MUDANÇA
"A tendência de redução da violência é marcante, mas precisamos avançar nesse processo. É como andar de bicicleta: não podemos deixar de pedalar, pois ainda estamos longe. Os índices de homicídio no Brasil são altos mesmo se comparados a países da África. Somos o segundo país do mundo em mortes por arma de fogo. Temos que disseminar essas políticas que deram certo."
José de Filippi Jr.

PROMESSA
"Até o final de 2005 vamos ter outra polícia, com outra cara, e os resultados já começam a aparecer. Mas a imprensa precisa nos ajudar, principalmente na sensação de segurança."
Saulo de Castro Abreu Filho

"Ampliamos a urbanização de favelas. Agora, queremos revestir as casinhas da população mais carente de Diadema."
José de Filippi Jr.

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