São Paulo, sábado, 12 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

foco

Jovem infrator que entrou em faculdade afirma desconhecer estatuto

CINTHIA RODRIGUES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Vitor (nome fictício) nasceu nove meses antes do ECA, que completa 18 anos amanhã. Cresceu na casa dos avós. Aos 14 anos, se tornou o traficante da escola. Aos 16, matou uma pessoa em uma tentativa de roubo e foi internado na Fundação Casa (ex-Febem).
Acabou os estudos dentro da unidade, conseguiu entrar em uma universidade particular e, nesta semana, bolsa do ProUni (programa federal que paga estudo para carentes).
Apesar de ter a mesma idade do estatuto e da biografia que vai das condições que levam o adolescente ao crime à tentativa de recuperá-lo, ele conta que desconhece o ECA. "Não tenho a menor idéia do que está escrito neste livro."
Vitor é o primeiro interno de São Paulo a ingressar na faculdade em 2008, outros dois casos ocorreram no interior. "Logo eu, que vim de uma quebrada, passei por várias coisas, me envolvi [com crimes]. Tanta gente que lutou lá fora."
A "quebrada" é o Itaim Paulista, mas segundo Vitor, os avós moravam em "casa própria, de tijolo mesmo". A mãe se mudou com o novo marido e os dois irmãos mais novos. Ele ficou no local onde nasceu.
O "envolvimento" começou na rua. "Sempre fui rueiro. Acabei conhecendo gente que tinha envolvimento. Eu era vapor [intermediário entre traficante e usuário final] na escola. Chegava em casa, tomava um café e saía de novo", conta.
Além de vendedor, se tornou usuário de cocaína e maconha e começou achar que os R$ 500 por semana -que diz que recebia do tráfico- não eram suficientes. "Era muito novo, senhora", afirma revelando um cacoete que pegou em um ano e dez meses de internação. "Aqui dentro é sim, senhor. Sim, senhora", diz. "Agora já tenho o hábito. Até pra minha mãe falei senhora. Ela me deu um peteleco. Pára com isso".
Segundo Vitor, a família não sabia dos crimes. "Eu escondia. Meu vô via com quem eu andava, mas não acreditava."
A partir dos 15 anos, começou a roubar carros. "Todo fim de semana de semana, três, quatro carros", conta. "O dinheiro eu jogava para o alto, fazia igual Silvio Santos, aviãozinho. Tá na vitrine, eu comprava: celular, relógio, moto, festas, drogas, bebidas."
Em um domingo de assalto, a vítima reagiu e ele deu dois tiros. Fugiu, mas o carro quebrou e a polícia o alcançou.
"Entrei numa rua que o muro era do tamanho dessas da Febem. O policial atirou duas vezes. Outros me agrediram várias vezes", diz.

Nova chance
O jovem afirma que o tempo "trancado" o fez aprender. "Não quero mais me envolver com isso. Se vierem me procurar vou falar não", diz. "Devo falar não. Posso ir para um lugar pior que cadeia."
O curso de uma área administrativa começa em agosto. Antes, a coordenação da unidade deve enviar à Justiça relatório conclusivo de bom comportamento para que ele seja liberado -o tempo de internação na Fundação Casa varia de seis meses a três anos.
Vitor diz que tentará se desligar do passado. "Apagar tudo não dá. Dá para colocar de canto num lugar do seu pensamento bem guardado e não querer desenterrar", afirma.
A ansiedade agora é pela reação da sociedade. "Espero que ninguém saiba. Se souberem, vai rolar um preconceito. Mas vou lutar de cabeça erguida."


Texto Anterior: Estudo: Faltam comarcas para infância e juventude, afirma associação
Próximo Texto: Mortes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.