|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
foco
Jovem infrator que entrou em faculdade afirma desconhecer estatuto
CINTHIA RODRIGUES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Vitor (nome fictício) nasceu
nove meses antes do ECA, que
completa 18 anos amanhã.
Cresceu na casa dos avós. Aos
14 anos, se tornou o traficante
da escola. Aos 16, matou uma
pessoa em uma tentativa de
roubo e foi internado na Fundação Casa (ex-Febem).
Acabou os estudos dentro
da unidade, conseguiu entrar
em uma universidade particular e, nesta semana, bolsa do
ProUni (programa federal que
paga estudo para carentes).
Apesar de ter a mesma idade
do estatuto e da biografia que
vai das condições que levam o
adolescente ao crime à tentativa de recuperá-lo, ele conta
que desconhece o ECA. "Não
tenho a menor idéia do que está escrito neste livro."
Vitor é o primeiro interno
de São Paulo a ingressar na faculdade em 2008, outros dois
casos ocorreram no interior.
"Logo eu, que vim de uma quebrada, passei por várias coisas,
me envolvi [com crimes]. Tanta gente que lutou lá fora."
A "quebrada" é o Itaim Paulista, mas segundo Vitor, os
avós moravam em "casa própria, de tijolo mesmo". A mãe
se mudou com o novo marido e
os dois irmãos mais novos. Ele
ficou no local onde nasceu.
O "envolvimento" começou
na rua. "Sempre fui rueiro.
Acabei conhecendo gente que
tinha envolvimento. Eu era vapor [intermediário entre traficante e usuário final] na escola. Chegava em casa, tomava
um café e saía de novo", conta.
Além de vendedor, se tornou
usuário de cocaína e maconha
e começou achar que os R$
500 por semana -que diz que
recebia do tráfico- não eram
suficientes. "Era muito novo,
senhora", afirma revelando
um cacoete que pegou em um
ano e dez meses de internação.
"Aqui dentro é sim, senhor.
Sim, senhora", diz. "Agora já
tenho o hábito. Até pra minha
mãe falei senhora. Ela me deu
um peteleco. Pára com isso".
Segundo Vitor, a família não
sabia dos crimes. "Eu escondia. Meu vô via com quem eu
andava, mas não acreditava."
A partir dos 15 anos, começou a roubar carros. "Todo fim
de semana de semana, três,
quatro carros", conta. "O dinheiro eu jogava para o alto, fazia igual Silvio Santos, aviãozinho. Tá na vitrine, eu comprava: celular, relógio, moto, festas, drogas, bebidas."
Em um domingo de assalto,
a vítima reagiu e ele deu dois tiros. Fugiu, mas o carro quebrou e a polícia o alcançou.
"Entrei numa rua que o muro era do tamanho dessas da
Febem. O policial atirou duas
vezes. Outros me agrediram
várias vezes", diz.
Nova chance
O jovem afirma que o tempo
"trancado" o fez aprender.
"Não quero mais me envolver
com isso. Se vierem me procurar vou falar não", diz. "Devo
falar não. Posso ir para um lugar pior que cadeia."
O curso de uma área administrativa começa em agosto.
Antes, a coordenação da unidade deve enviar à Justiça relatório conclusivo de bom comportamento para que ele seja
liberado -o tempo de internação na Fundação Casa varia de
seis meses a três anos.
Vitor diz que tentará se desligar do passado. "Apagar tudo
não dá. Dá para colocar de canto num lugar do seu pensamento bem guardado e não
querer desenterrar", afirma.
A ansiedade agora é pela reação da sociedade. "Espero que
ninguém saiba. Se souberem,
vai rolar um preconceito. Mas
vou lutar de cabeça erguida."
Texto Anterior: Estudo: Faltam comarcas para infância e juventude, afirma associação Próximo Texto: Mortes Índice
|