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ENTREVISTA
NELSON JOBIM
"Anac não poderá mais formular nenhum tipo de política aérea"
Chamado por Lula para conter a crise aérea, o novo ministro da Defesa planeja um sistema em que a agência apenas cumprirá as diretrizes do Conac
A Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, "não
poderá mais formular nenhum tipo de política"
para o setor. Apenas cumprirá diretrizes vindas
do Conac (Conselho Nacional de Aviação Civil),
comandado pelo novo ministro da Defesa, o gaúcho Nelson
Jobim, 61. A formatação desse novo sistema será concluída
em 20 ou 30 dias, diz o peemedebista. Uma proposta de lei ordinária será enviada ao Congresso. Embora não tenha ainda o desenho definitivo do projeto, Jobim admite com clareza a
desidratação da Anac. "Se a conseqüência for o enfraquecimento da Anac, assim será", diz ele na sua primeira entrevista mais longa depois de assumir o cargo, no dia 25.
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Nelson Jobim foi chamado
para tentar reduzir os efeitos
de uma crise de dez meses no
setor aéreo. Assumiu logo depois do maior acidente aeronáutico da história do Brasil,
que deixou 199 mortos no dia
17 de julho depois da explosão
de um Airbus-A320, da TAM,
num prédio ao lado da pista
principal do aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
Cuidadoso, ele não faz julgamentos sobre a gestão passada.
Fala apenas sobre a necessidade de eliminar as superposições de poderes no sistema que
comanda o setor aéreo. A Anac
é o principal alvo. Na nova lei
em estudo acredita ser preciso
refletir sobre "a necessidade de
a Anac ter diretores com mandato". Diz ainda não ter opinião
a respeito, mas "talvez possa se
concluir que não seja necessário". Os diretores poderiam ser
demitidos a qualquer tempo
pelo presidente da República.
Sobre sua pasta, pretende finalmente conseguir integrar
Exército, Marinha e Aeronáutica -missão não cumprida por
todos os seus antecessores.
Recusa-se a tratar da possibilidade de seu nome figurar na
lista de postulantes ao Planalto
em 2010. Lula teria dito a ele
que se consertasse o setor aéreo seria um candidato a presidente imbatível? Em meio a risos, Jobim responde: "Imagine.
Isso não existe".
Ex-deputado federal, ex-ministro da Justiça e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ao aceitar o convite de Lula,
comunicou sua decisão a alguns amigos. Entre eles, os tucanos José Serra (governador
de SP) e Fernando Henrique
Cardoso (ex-presidente). Foi
acusado por petistas de "tucano infiltrado" no governo Lula.
Jobim dá risadas ao comentar a crítica e tem uma explicação para a reação dos petistas:
"Talvez possa ser alguma síndrome de conspiração tardia ou
algo desse tipo".
A seguir, trechos da entrevista concedida na sexta-feira:
FOLHA - O Congresso divulgou dados das caixas-pretas do Airbus-A320 da TAM. Há prejuízo nisso?
NELSON JOBIM - É necessária
cautela para tirar conclusões,
mas não vejo prejuízo na decisão dos deputados.
FOLHA - O governo federal foi lento ao reagir à crise aérea?
JOBIM - Meu compromisso é
resolver de agora para a frente.
Não julgarei o que foi feito ou
deixou de ser feito.
FOLHA - Ao assumir, o sr. usou a
frase "aja ou saia". Qual o seu prazo
para agir e apresentar resultados?
JOBIM - O Conac [Conselho
Nacional de Aviação Civil] estabeleceu uma série de prazos.
Primeiro, atacaremos a desconcentração de Congonhas
até fevereiro. A tranqüilidade
da prestação de serviços deve
vir dentro de 30 dias.
FOLHA - Está havendo intervenção
do Conac na Anac, que tem a prerrogativa para comandar o setor?
JOBIM - O problema é que o Conac não exercia sua função legal, de formular as diretrizes
em relação ao tráfego aéreo
brasileiro. A Anac foi criada em
setembro de 2005. O Conac
não se reunia desde 2003. Veio
a ter uma reunião só agora. Ou
seja, tudo estava sem um norte.
FOLHA - Mas a Anac tem o direito
de não acatar as decisões do Conac?
JOBIM - Não. O Conac fixa diretrizes para a Anac. E ela decide
a forma de executá-las. Não altera diretrizes. Não cabe à Anac
formular a política aérea.
FOLHA - O Conac pode então dizer
quantos vôos por hora Congonhas
pode suportar?
JOBIM - Exatamente.
FOLHA - Mas a Anac pode discordar
e não implantar...
JOBIM - Não farão isso.
FOLHA - Por que não?
JOBIM - Porque o que existe é
um sistema e não ilhas de autonomia. E um sistema sempre
pressupõe a existência de uma
cabeça. E ela se chama Conac.
FOLHA - Muitos acreditam estar
havendo uma intervenção indevida
do governo sobre uma agência reguladora que deveria ser independente. Como o sr. responde a isso?
JOBIM - É necessário que se defina quais setores da economia
de fato requerem uma agência
reguladora e qual o grau de autonomia de cada uma.
FOLHA - No caso da aviação civil a
idéia da agência sempre foi dar mais
previsibilidade ao setor para atrair
mais investimentos, mais empresas.
JOBIM - Mas não foi o caso. Há
uma sobreposição de competências entre o Ministério da
Defesa, o Conac, a Infraero e a
Anac. O problema é institucional. A lei 11.182, de setembro de
2005, criou a Anac. Traz no seu
artigo 3º: "A Anac, no exercício
de suas competências, deverá
observar e implementar orientações, diretrizes e políticas estabelecidas pelo Conselho de
Aviação Civil (Conac)".
Ou seja, está claro. A função
da Anac não é formular políticas nem diretrizes. Ocorre que
o Conac não se reunia desde
2003. O sistema ficou desbalanceado. A agência foi criada e
nunca foram dadas diretrizes.
FOLHA - Mas como fica a autonomia da Anac?
JOBIM - A mesma lei determina
no artigo 8º: "Cabe à Anac adotar as medidas necessárias para
o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento
e fomento da aviação civil, da
infra-estrutura aeronáutica e
aeroportuária do país, atuando
com independência, legalidade,
impessoalidade e publicidade,
competindo-lhe implementar,
em sua esfera de atuação, a política de aviação civil".
Como se vê, a Anac implementa a política criada pelo Conac. Mas muitos lêem apenas a
frase "atuando com independência" e acham que se trata de
uma independência absoluta.
Quero propor a revisão institucional do sistema para definir
competências. Vou fazer uma
proposta de alteração legal para
deixar tudo ainda mais claro.
FOLHA - Quando ela fica pronta?
JOBIM - Em 20 ou 30 dias. Com
o novo sistema, a Anac não poderá mais formular nenhum tipo de política.
FOLHA - Essa mudança na lei não
será interpretada como uma redução do poder da Anac?
JOBIM - Pode ser. Se a conseqüência for o enfraquecimento
da Anac, assim será. Mas eu não
sei ainda qual será o formato final. Só digo que é necessário revisar o sistema e suas competências. É o momento para isso.
FOLHA - Uma das possibilidades
também é o "recall" (destituição)
para os diretores da Anac?
JOBIM - É uma hipótese. Outra
também será colocar em xeque
a necessidade de a Anac ter diretores com mandato. Talvez
possa se concluir que não seja
necessário. Ainda não tenho
opinião formada a respeito.
FOLHA - Se o governo se dedicar a
escolher melhor os diretores das
agências não se evitaria problemas?
JOBIM - Na minha área, sim. A
Infraero é um exemplo.
FOLHA - Como será o processo de
reformulação da Infraero?
JOBIM - O novo presidente,
Sérgio Gaudenzi, é um homem
de gestão, com experiência.
Nos anos 80 foi secretário-executivo do Ministério da Previdência. Recentemente esteve
na Agência Espacial. Tem grande prestígio na Aeronáutica.
O que vai mudar na Infraero
é a eficácia. A empresa estava
correndo atrás dos fatos. No caso das pistas, fomos atropelados. O presidente que saiu da
Infraero disse que a pista principal de Guarulhos tem 20 anos
e nunca foi reformada. Perguntei a ele se sabia disso e o que
havia feito. Não houve resposta. Porque não tinha planejamento. Nós precisamos planejar a infra-estrutura aeroportuária e estar à frente dos fatos.
FOLHA - Como será a eventual privatização da Infraero?
JOBIM - Eu me pergunto por
que o capital privado entraria
numa empresa como a Infraero, sem governança corporativa. Por isso vamos melhorar a
governança. Mas isso demora.
FOLHA - Ou seja, demora também
para abrir o capital?
JOBIM - Neste primeiro momento não é possível fazer a
abertura de capital. Seria irresponsabilidade até fixar um prazo. Lembre-se também que os
aeroportos não fazem parte do
ativo da Infraero. O ativo da Infraero são recebíveis, as taxas
cobradas nos aeroportos. Uma
empresa para abrir capital também precisa ter ativos e esse aspecto ainda não foi resolvido.
FOLHA - O setor aéreo tem apenas
duas grandes empresas. Há espaço
para mais, inclusive estrangeiras?
JOBIM - O que temos de fazer é
recompor a aviação regional,
que nem temos. O Brasil é o
único país do mundo que não
compra aviões da Embraer.
FOLHA - O sr. criticou o espaço entre as cadeiras dos aviões. O melhor
para esse problema é obrigar as empresas a dar mais conforto ou estimular a concorrência?
JOBIM - Ao ministro da Defesa
cabe dizer que o sistema não
existe para servir só às empresas, mas aos usuários. Houve
alguma diretriz da Anac para
que reduzissem o espaço entre
as cadeiras? Não, foi uma decisão das empresas. Decidiram
sacrificar o conforto do usuário
em benefício de si próprias. É
isso que tem de acabar. As empresas têm de ser parceiras
nesse processo em que todos
devem ser beneficiados, não só
elas. Mas se quiserem ir para a
queda de braço, podemos ir.
FOLHA - Como o sr. pretende fazer
para o Ministério da Defesa se afirmar e existir de fato?
JOBIM - Quero incluir o tema
da defesa nacional na agenda
do país. É necessário mostrar a
defesa nacional vinculada ao
desenvolvimento da nação. As
Forças Armadas não podem ser
vistas como um mero interesse
corporativo. Temos de ter uma
força de dissuasão forte e uma
concepção de defesa. Esse é o
projeto. Sem esse tipo de definição não se tem uma aliança
com o setor privado. Nós precisamos ter uma relação com
uma indústria de defesa brasileira. Não podemos ter um sistema no qual os insumos para a
defesa dependem de fornecimento de estrangeiros. É necessário esse acoplamento.
FOLHA - Haverá um plano para recuperar a indústria de armamentos?
JOBIM - Só por hipótese, vamos
pensar no sistema aéreo, que
depende dos aviões de monitoramento. Por que não fizemos
isso com a Embraer? Quero
discutir nesses termos. Vamos
ter um plano estratégico de defesa para saber o que queremos
do Exército, da Marinha e da
Aeronáutica.
FOLHA - Essas Forças têm orçamentos separados. Deveriam ser juntos?
JOBIM - O mais importante não
é o orçamento unificado, mas
haver uma estratégia conjunta
de operações.
FOLHA - Dê um exemplo.
JOBIM - O Brasil precisa ter forças terrestres aquarteladas em
toda a fronteira nacional ou isso se justifica apenas na Amazônia? Nos locais onde não se
justifica é necessário ter uma
força tática de deslocamento
rápido. Dependemos, portanto,
da integração das três Forças.
FOLHA - Qual a principal prioridade
da Defesa?
JOBIM - A Amazônia, pela questão ambiental, pelos casos de
biopirataria e do narcotráfico
na região. Além de termos de
continuar oferecendo apoio logístico e suporte na área de segurança pública, mas não como
agentes diretos de frente.
FOLHA - O sr. terá dinheiro para fazer tudo isso?
JOBIM - Temos de ter primeiro
o projeto. Depois depende de
decisão do presidente.
FOLHA - Ao ser nomeado, o sr. ligou para algumas pessoas, inclusive
para o governador de SP, José Serra
(PSDB). Com quem mais falou?
JOBIM - Eu comuniquei ao Serra, ao senador Pedro Simon
(PMDB-RS) e ao Fernando
Henrique Cardoso.
FOLHA - Por conta dessa proximidade com políticos do PSDB alguns
petistas o consideram um "infiltrado tucano" no governo. O que acha?
JOBIM - [risos] Quem tem de
achar é o presidente da República. Eu vou continuar do mesmo jeito, com minhas relações
com o Serra e com o ex-presidente Fernando Henrique.
FOLHA - Como reagiu FHC a sua entrada no governo Lula?
JOBIM - Disse que eu fiz muito
bem, pois considerou um desafio, embora também um risco.
FOLHA - A que o sr. atribui a reação
do PT à sua nomeação?
JOBIM - Talvez possa ser alguma síndrome de conspiração
tardia ou algo desse tipo.
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