São Paulo, terça-feira, 12 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Linha-dura, coronel manteve segredo sobre o massacre

Ubiratan Guimarães ganhou fama após assumir a Rota, divisão da PM conhecida pela violência com que tratava os criminosos

Condenado a 632 anos de prisão, o militar teve a sua sentença anulada porque o tribunal considerou que ele apenas cumpria seu dever


MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O coronel Ubiratan Guimarães levou para o túmulo o segredo mais explosivo do massacre do Carandiru: que político deu a ordem para a invasão?
Ubiratan respondeu centenas de vezes a essa pergunta, mas parecia mais interessado em preservar seus superiores do que esclarecer a dúvida histórica. Ora dizia que foi ele próprio que tomara a decisão, ora atribuía a ordem a uma decisão conjunta de militares e juízes que estavam no presídio no momento da rebelião.
Seus superiores em 2 de outubro de 1992, a data do massacre, eram o secretário de Segurança, Pedro Franco de Campos, e o governador Luiz Antônio Fleury Filho.
As noções de honra e disciplina militar talvez expliquem a decisão do coronel reformado de silenciar sobre o autor da ordem. O coronel Ubiratan tinha histórico de militar "linha-dura" e orgulhava-se do adjetivo.
Em seu currículo, ele anotara que foi apresentado ao regimento de cavalaria da Polícia Militar de São Paulo em 31 de março de 1964 -o mesmo dia do golpe militar que depôs o presidente João Goulart. A data pode ser mero acaso, mas o período em que ele formou-se oficial não é.
Ubiratan chegou a capitão em maio de 1972, um dos períodos mais sangrentos da ditadura militar. O militar foi forjado sob o ambiente autoritário e exibia as características dessa formação como medalhas que conquistara.
O conceito mais agudo dessa formação é o de que "polícia" e "bandidos" vivem em "guerra". Como há uma "guerra" em curso, a polícia tem licença para matar em caso de confronto.
O primeiro cargo em que Ubiratan exibiu sua visão de segurança foi como comandante da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), divisão da PM que ficaria conhecida pela violência e pelo arbítrio com que tratava os criminosos. Foi em 1980, no governo de Paulo Maluf (1979-1982), que o então major Ubiratan começou a ganhar fama no meio policial. Ele comandou a Rota até 1983.
Até então, sua reputação restringia-se aos meios cavalariços, no qual conquistara títulos individuais e coletivos nas provas de salto. Seu ápice foi um tricampeonato no Campeonato Nacional das PMs.
Com a Rota parece ter nascido o Ubiratan que passou para a história como o "coronel do Carandiru": era um homem de ação, que se orgulhava de nunca ter exercido uma função burocrática na PM.
Em novembro de 1989, ao assumir o comando do policiamento metropolitano de São Paulo, resumiu em uma frase o seu pensamento: "Está aberta a temporada de caça aos bandidos". Corria o governo de Orestes Quércia, a violência aumentava e o governador queria resultados rápidos. O resultado imediato da temporada de caça foi a redução no número de homicídios e o aumento das mortes em supostos confrontos com policiais.
A justificativa que dava para as mortes na época da Rota viraria o seu mantra após o Carandiru: "Não estamos aqui para matar pessoas. Se fosse assim, mataríamos todos aqueles que prendemos".
Depois do massacre de 2 de outubro de 1992, ele repetia a idéia de que a ação da polícia foi uma reação: "Se tivéssemos entrado para matar, não teriam sobrado 1.950 vivos. Quem se entregou numa boa está aí vivo. Quem veio para cima, tomou. Paciência".
A morte dos 111 presos jogou Ubiratan numa nova vida. Obrigado a passar para a reforma em fevereiro de 1993, ele aventurou-se na política. Candidato a deputado estadual em 1994, recebeu 26.156 votos concorrendo com o número 41.111 e não foi eleito. Dois anos depois, quando 15 deputados foram eleitos prefeitos, ele assumiu o cargo. Em 2002, o coronel voltaria à Assembléia, desta vez com 56.155 votos.
Ubiratan não perdeu a fleuma de militar quando foi considerado co-autor de 102 mortes e condenado a 632 anos de prisão -o julgamento ocorreu nove anos após o massacre. Dizia ter certeza de que a condenação seria anulada. Em fevereiro último, o Tribunal de Justiça anulou a sentença por considerar que o coronel agiu no estrito cumprimento do dever.


Texto Anterior: Repercussão
Próximo Texto: Memória: Ex-diretor do Carandiru foi morto em 2005
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.