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Linha-dura, coronel manteve segredo sobre o massacre
Ubiratan Guimarães ganhou fama após assumir a Rota, divisão da PM conhecida pela violência com que tratava os criminosos
Condenado a 632 anos de prisão, o militar teve a sua sentença anulada porque o tribunal considerou que ele apenas cumpria seu dever
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O coronel Ubiratan Guimarães levou para o túmulo o segredo mais explosivo do massacre do Carandiru: que político
deu a ordem para a invasão?
Ubiratan respondeu centenas de vezes a essa pergunta,
mas parecia mais interessado
em preservar seus superiores
do que esclarecer a dúvida histórica. Ora dizia que foi ele próprio que tomara a decisão, ora
atribuía a ordem a uma decisão
conjunta de militares e juízes
que estavam no presídio no
momento da rebelião.
Seus superiores em 2 de outubro de 1992, a data do massacre, eram o secretário de Segurança, Pedro Franco de Campos, e o governador Luiz Antônio Fleury Filho.
As noções de honra e disciplina militar talvez expliquem a
decisão do coronel reformado
de silenciar sobre o autor da ordem. O coronel Ubiratan tinha
histórico de militar "linha-dura" e orgulhava-se do adjetivo.
Em seu currículo, ele anotara
que foi apresentado ao regimento de cavalaria da Polícia
Militar de São Paulo em 31 de
março de 1964 -o mesmo dia
do golpe militar que depôs o
presidente João Goulart. A data
pode ser mero acaso, mas o período em que ele formou-se oficial não é.
Ubiratan chegou a capitão
em maio de 1972, um dos períodos mais sangrentos da ditadura militar. O militar foi forjado
sob o ambiente autoritário e
exibia as características dessa
formação como medalhas que
conquistara.
O conceito mais agudo dessa
formação é o de que "polícia" e
"bandidos" vivem em "guerra".
Como há uma "guerra" em curso, a polícia tem licença para
matar em caso de confronto.
O primeiro cargo em que
Ubiratan exibiu sua visão de segurança foi como comandante
da Rota (Rondas Ostensivas
Tobias de Aguiar), divisão da
PM que ficaria conhecida pela
violência e pelo arbítrio com
que tratava os criminosos. Foi
em 1980, no governo de Paulo
Maluf (1979-1982), que o então
major Ubiratan começou a ganhar fama no meio policial. Ele
comandou a Rota até 1983.
Até então, sua reputação restringia-se aos meios cavalariços, no qual conquistara títulos
individuais e coletivos nas provas de salto. Seu ápice foi um
tricampeonato no Campeonato Nacional das PMs.
Com a Rota parece ter nascido o Ubiratan que passou para a
história como o "coronel do Carandiru": era um homem de
ação, que se orgulhava de nunca ter exercido uma função burocrática na PM.
Em novembro de 1989, ao assumir o comando do policiamento metropolitano de São
Paulo, resumiu em uma frase o
seu pensamento: "Está aberta a
temporada de caça aos bandidos". Corria o governo de Orestes Quércia, a violência aumentava e o governador queria resultados rápidos. O resultado
imediato da temporada de caça
foi a redução no número de homicídios e o aumento das mortes em supostos confrontos
com policiais.
A justificativa que dava para
as mortes na época da Rota viraria o seu mantra após o Carandiru: "Não estamos aqui para matar pessoas. Se fosse assim, mataríamos todos aqueles
que prendemos".
Depois do massacre de 2 de
outubro de 1992, ele repetia a
idéia de que a ação da polícia foi
uma reação: "Se tivéssemos entrado para matar, não teriam
sobrado 1.950 vivos. Quem se
entregou numa boa está aí vivo.
Quem veio para cima, tomou.
Paciência".
A morte dos 111 presos jogou
Ubiratan numa nova vida.
Obrigado a passar para a reforma em fevereiro de 1993, ele
aventurou-se na política. Candidato a deputado estadual em
1994, recebeu 26.156 votos concorrendo com o número 41.111
e não foi eleito. Dois anos depois, quando 15 deputados foram eleitos prefeitos, ele assumiu o cargo. Em 2002, o coronel voltaria à Assembléia, desta
vez com 56.155 votos.
Ubiratan não perdeu a fleuma de militar quando foi considerado co-autor de 102 mortes
e condenado a 632 anos de prisão -o julgamento ocorreu nove anos após o massacre. Dizia
ter certeza de que a condenação seria anulada. Em fevereiro
último, o Tribunal de Justiça
anulou a sentença por considerar que o coronel agiu no estrito
cumprimento do dever.
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