São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997.



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NEGÓCIO
A cada ano são realizadas 3,3 milhões de doações no Brasil, apenas um quarto das feitas nos Estados Unidos
Mercado do sangue movimenta R$ 1 bi

AURELIANO BIANCARELLI
RENATO KRAUSZ
da Reportagem Local

O mercado do sangue no Brasil movimenta por ano cerca de R$ 1 bilhão. O valor equivale a um sétimo do orçamento da Prefeitura de São Paulo, o terceiro maior do país depois da União e do Estado.
As cifras desse negócio -somadas à dança dos comandos na Saúde provocada pela troca de ministro- explicariam o surgimento dos dossiês que acabaram gerando a atual crise no sangue. Só a importação de hemoderivados significa 14% do bolo, ou R$ 140 milhões anuais. Apenas o teste do sangue custa R$ 223 milhões -preços do SUS-, envolvendo 30 milhões de kits sorológicos por ano.
A dimensão e os riscos desse mercado exigem a presença do Estado. Sem controle, corre-se o risco de mercadores do sangue fazerem economia reduzindo o número de testes necessários.
Surpreendido pelas acusações e sem muito o que dizer, o Ministério da Saúde optou por demitir o coordenador de Sangue e Hemoderivados. Até agora, não conseguiu tranquilizar as pessoas quanto à segurança de uma transfusão.
A questão afeta a saúde pública como um todo. Por ano, são 8,25 milhões de pessoas que recebem sangue fracionado em hemácias, plasmas, plaquetas ou crio. Esse total de hemocomponentes é produzido a partir das cerca de 3,3 milhões de doações feitas por ano no país, pois cada bolsa é fracionada em outras 2,5, em média.
Do ponto de vista do mercado, trata-se de um segmento que ainda tem muito para crescer. Nos EUA, por exemplo, são feitas 12 milhões de doações por ano, quatro vezes mais que no Brasil. Esse mercado potencial do sangue explicaria o interesse cada vez maior de empresas no setor.
Do ponto de vista da saúde pública, significa que no país ainda "há gente morrendo por falta de sangue", como diz Dante Mário Langui Júnior, da Associação Paulista de Medicina (APM).
A falta de uma cultura de doação, além de aumentar a mortalidade nos hospitais, faz crescer o risco do sangue fornecido pelo brasileiro. Na Europa e nos EUA, 85% dos doadores são de repetição. Doam sangue a cada seis meses e por isso têm a saúde monitorada. No Brasil, só 15% fazem isso.
A cifra de R$ 1 bilhão movimentada pelo mercado do sangue foi alcançada com ajuda de especialistas do setor. Considerou-se as cerca de 2,2 milhões de doações faturadas pelo SUS, que correspondem a 5,5 milhões de transfusões -R$ 53,84 cada. Somou-se a isso os cerca de 1,1 milhão de bolsas recolhidas pelo sistema privado, com 2,75 milhões de transfusões cobradas a um preço médio de R$ 196.
Outros R$ 140 milhões são gastos com hemoderivados e cerca de R$ 60 milhões são consumidos em treinamentos e deslocamentos de técnicos.
O mercado do sangue parece ainda maior quando se recorda que os gastos públicos com saúde ficam em torno de R$ 20 bilhões. E parece gigantesco quando se considera que, diferentemente do que ocorre nos EUA, a venda do sangue é proibida no Brasil.
Ao "faturar" uma bolsa de sangue, o SUS e os bancos privados estariam cobrando apenas os custos da coleta, do processamento e da triagem sorológica. Por lei, toda bolsa de sangue deve passar por nove testes diferentes, que descartariam sete doenças transmissíveis pelo sangue.
Os testes são para o vírus da Aids, hepatite C, hepatite B (dois testes), HTLV1 e 2, doença de Chagas (dois testes), sífilis e a dosagem da enzima ALT.
Em alguns hemocentros, como o da Santa Casa de São Paulo e o da Fundação Pró-Sangue, chegam a ser feitos até 14 testes.



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