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VIDA SECA
Cultura de uso de água é que deve mudar, desde que acompanhada da recuperação e conservação de mananciais
Obras são paliativo, dizem especialistas
DA REPORTAGEM LOCAL
Se a forma de usar a água não
mudar, obras caras e de grande
impacto ambiental serão sempre
paliativos de um sistema insustentável. Recuperar e conservar
mananciais, investir em reúso e
em políticas para reduzir consumo e perdas são fundamentais
para garantir o abastecimento. É
essa a opinião de ambientalistas e
especialistas ouvidos pela Folha.
As obras são necessárias, afirma
Mário Thadeu Lemes de Barros,
professor do Departamento de
Engenharia Hidráulica e Sanitária
da Poli/USP, mas faltam gestão e
planejamento. "A Sabesp tem
uma visão equivocada do problema da água, e os comitês de bacia
funcionam muito timidamente."
Ele defende a cobrança da água
para racionalizar o consumo. O
projeto de lei estadual que a institui está há cinco anos no Legislativo e ainda não foi votado.
Já Samuel Barreto, do WWF
Brasil (braço nacional do Fundo
Mundial para a Vida Selvagem)
ressalta que "controlar invasões e
preservar os mananciais é muito
mais importante do que qualquer
paliativo" e cita os resultados de
um estudo da ONG nas 105 maiores cidades do mundo sobre as relações entre conservação de florestas e produção de água. "Em
Nova York, foi gasto R$ 1 bilhão
para proteger uma área verde.
Sem a proteção, para tratar a
água, seriam gastos R$ 8 bilhões."
"Em Guarapiranga existe apenas um fiscal para controlar a
ocupação irregular. O largo de
Santo Amaro [zona sul de SP], está cheio de imobiliárias que vendem terrenos na área protegida.
Na Billings é a mesma coisa", diz
Mário Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica. Ele é
um dos que defendem o uso da
Billings para abastecimento, em
vez da geração de energia.
A opção é rechaçada, porém,
por Ivanildo Hespanhol do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Poli/USP.
Segundo ele, isso demandaria elevados investimentos, inclusive
em tratamento da água para torná-la "verdadeiramente potável".
Para Hespanhol, a Sabesp já devia ter viabilizado novos mananciais, e o aumento anual de 2.000
litros por segundo na produção é
insuficiente para reduzir os riscos
do sistema de abastecimento.
Stela Goldenstein, ex-secretária
municipal do Verde e do Meio
Ambiente e consultora em gestão
ambiental, também diz acreditar
que trazer água de outros mananciais já seja necessário. "Mas não
dá para deixar de contar com a racionalização do uso e a proteção
dos mananciais", afirma.
Para ela, é preciso passar a usar
água como quem, de fato, dispõe
de pouca. Isso inclui mudanças
culturais, de equipamentos, de
tecnologia e adoção do reúso.
Recuperação e flotação
Para adiar a busca de novas fontes de água, a Sabesp diz apostar
na recuperação de mananciais e
na flotação do rio Pinheiros.
Em 2005, deve sair do papel o
projeto Mananciais, que terá seu
foco nas represas Guarapiranga e
Billings, mas deverá investir cerca
de US$ 330 milhões, em cinco
anos, para fazer urbanização de
favelas, tratamento de córregos
que deságuam nos reservatórios e
implantar saneamento em todas
as bacias da Grande São Paulo.
O programa é uma parceria entre o Estado e as cidades que ficam
nas margens dos mananciais. Os
recursos virão do Banco Mundial.
No caso da flotação, se ela fosse
aprovada e funcionasse como o
esperado, a represa Billings poderia até triplicar sua contribuição
ao abastecimento de água, diz Antonio Marsiglia, da Sabesp. Essa
alternativa, porém, deixa os ambientalistas assustados.
O início do processo está proibido por decisão judicial. O Estado
já recorreu duas vezes, e perdeu.
A flotação prevê a limpeza das
águas do Pinheiros pela formação
e retirada de flocos de poluição,
mas especialistas dizem que ela é
só um tratamento estético.
Sobre arranjos institucionais
pró-economia, a Sabesp diz fazer
o que pode, mas que caberia também a outras instâncias do poder
público elaborar normas como as
que, na Cidade do México e nos
EUA, forçaram a troca de bacias
sanitárias pelas que gastam seis litros, em vez de nove.
"A falta de políticas públicas é
tanta que corremos o risco de um
empreendimento como a flotação
ser liberada sem sabermos seus
impactos ambientais e de acabarmos bebendo a água do rio Pinheiros", diz Marussia Whately.
(MARIANA VIVEIROS E SIMONE IWASSO)
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