São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2000

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GILBERTO DIMENSTEIN

Prepare-se para pagar mais pelo seu carro

Escondido pelos prédios, o pôr-do-sol ainda tem breves momentos de glória em São Paulo, homenageado numa pequena praça.
Localizada no Alto de Pinheiros, que tem apenas 3.500 casas, é dos poucos lugares públicos que ainda oferecem a visão do pôr-do-sol e transmitem a sensação fugaz de que não moramos em São Paulo.
O charme está na combinação de luzes do entardecer e, em especial, na paisagem desenhada pelas árvores que se mesclam e ocultam as casas.
Como se perpetuassem um antigo ritual, jovens, casais de namorados, crianças e idosos, atraídos para a praça no final da tarde, sentam-se na grama, reverentes ao jogo de luzes.
Nas redondezas da praça, batizada de Pôr-do-Sol, vivem pessoas, quase todas da elite econômica, política e empresarial da cidade, que planejam um movimento de resistência, apresentado como lição de civilidade para o resto do país. Talvez estejam mesmo certas.
Atemorizadas com o trânsito, articulam-se para criar barricadas contra os automóveis e projetam uma malha de ruas sem saída.
Preocupados com os efeitos em suas ruas, que passariam a atrair os carros desviados, bairros próximos, atentos à rebelião do Alto de Pinheiros, revoltam-se ou sugerem seus próprios bolsões -mais barricadas contra o automóvel.
São Paulo tem 10 milhões de habitantes e 5 milhões de carros. A cada dia, são mais mil novos registros de veículos; 800 na região metropolitana.
"É errado perguntar se São Paulo vai parar. A verdade é que já estamos parados", afirma Ayrton Camargo, da Associação Nacional de Transportes Públicos.
Nos horários de pico, segundo ele, um indivíduo a pé perde, por pouco, de um automóvel, cuja velocidade média não passa de 10 km por hora nos pontos mais congestionados.
A rebelião do Alto de Pinheiros é gesto minúsculo, solitário e quase desesperado diante da desproporção perversa entre carros, habitantes e transporte público.
Os carros arrebentam o espaço público, afugentam pedestres e fazem da cidade um imenso e impessoal autorama.
Cresce entre urbanistas, muitos deles aliados da prefeita eleita Marta Suplicy, a convicção da necessidade, cedo ou tarde, de medidas mais radicais do que o rodízio.
Incluído na lista de especulações como possível secretário municipal de Transportes, Ailton Brasiliense, especialista em engenharia de trânsito, pronuncia uma palavra proibida em período eleitoral: pedágio.
Não fala sozinho. "Inevitável", afirma o secretário estadual dos Transportes Metropolitanos, Cláudio Senna.
A lógica de Cláudio Senna é simples: tudo o que é escasso tem valor. Diminuiu sem parar o espaço para circulação de automóveis. Portanto deve ser cobrado pelo poder público, administrador da escassez.
Uma espécie de pedágio, aliás, já existe, e ninguém reclama: é a zona azul, a cobrança pelo estacionamento na rua.
Já se paga para estacionar porque há poucas vagas; vai-se pagar, em algum momento, para circular exatamente devido à lei da oferta e da procura.
Se o pedágio urbano começar em São Paulo, pode apostar que se alastrará pelo país.
A idéia é espalhar radares eletrônicos, capazes de identificar selos com barras digitais grudados no automóvel.
Só o pedágio, alertam todos, seria uma catástrofe: jogaria o trânsito para as ruas menores. Quando a proposta vier (se vier), terá de estar acoplada a linhas de ônibus executivos, confortáveis, e a faixas destinadas apenas a transporte público.
O dinheiro do pedágio iria para a construção de novas linhas de metrô. Duas tacadas num só golpe: tiram-se carros das ruas, melhorando o trânsito, e financia-se o transporte coletivo.
"É justo que o carro pague mais. Afinal, ele tem de arcar com o prejuízo que provoca destruindo ruas e poluindo o ar", sustenta Cláudio Senna, que, em seu plano diretor para as regiões metropolitanas, prevê a cobrança de pedágio urbano.
Não é apenas o sossego dos paulistanos que está em jogo. Mas também a geração de riqueza. Essa é, em essência, uma questão de competitividade. Atrair empresas, criando empregos e salários, implica melhorar as condições de vida, a começar pelo trânsito. Esse será, sem dúvida, um dos desafios a serem enfrentados por Marta Suplicy, cuja gestão será avaliada, em larga medida, pela coragem e eficiência em brigar com o automóvel e oferecer alternativas ao seu uso.
Se o símbolo do "apartheid" urbano é o predomínio dos automóveis, devolver o espaço aos transportes públicos e aos pedestres é sinônimo de civilidade e democracia.
Idiotice sair criticando os endinheirados moradores do Alto de Pinheiros, acusando-os de criar um condomínio fechado. Eles buscam, de um lado, um sossego elitizado, fechando suas ruas -mas, ao mesmo tempo, dão um ótimo exemplo de resistência civil.

PS - A indicação do economista e banqueiro João Sayad para gerir uma das principais secretarias da prefeitura -para administrar as finanças e programas sociais- foi um bom começo de Marta Suplicy. Socialmente sensível, experimentado em administração pública e intelectualmente sofisticado, Sayad representa o esforço de governar além do PT, recrutando os talentos da cidade.

E-mail - gdimen@uol.com.br




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