São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 2002

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JUSTIÇA

Acusados de matar o assaltante Sandro do Nascimento foram absolvidos por 4 votos a 3; Ministério Público recorre

Júri livra policiais do caso do ônibus 174

Marco Antônio Rezende/Folha Imagem
Os policiais Dias, David e Soares no julgamento do assalto ao ônibus da linha 147, no Rio


FERNANDA DA ESCÓSSIA
TALITA FIGUEIREDO
DA SUCURSAL DO RIO

Depois de 20 horas de julgamento, foram absolvidos ontem pelo 4º Tribunal do Júri, por 4 votos a 3, os três policiais militares acusados da morte de Sandro do Nascimento, conhecido como o sequestrador do ônibus 174.
O Ministério Público, que considera haver provas de que Sandro foi assassinado, recorreu ao TJ (Tribunal do Júri), pedindo novo júri popular para o capitão Ricardo de Souza Soares e para os soldados Flávio do Val Dias e Márcio de Araújo David. À época do sequestro, em junho de 2000, eles integravam o Bope (Batalhão de Operações Especiais), o grupo de elite da PM (Polícia Militar).
Segundo o boletim hospitalar e o laudo do Instituto Médico Legal, Sandro morreu dentro de um carro da PM, de asfixia causada por estrangulamento. Tinha 21 anos. O sequestrador entrou vivo e desarmado no camburão, imobilizado pelo capitão e pelos soldados. Chegou morto ao hospital, com marcas no pescoço.
Para o advogado de defesa, Clóvis Sahione, 65, Sandro "sufocou-se". Nos debates, ele chegou a defender a pena de morte para o que classificou de "bandidos sem solução". "Criminoso tem de morrer. Eu mato, sim. Se estuprar uma filha minha, vai morrer. O resto é hipocrisia", afirmou.
Os quatro jurados que votaram pela absolvição aceitaram que houve morte, mas não homicídio, acatando as duas teses da defesa: Soares sufocou Sandro para imobilizá-lo, mas não apertou seu pescoço; o sequestrador, quando reagiu à tentativa de imobilização, fez movimentos que provocaram sua asfixia e a consequente morte.
O advogado apresentou em vídeo o parecer do legista Roberto Blanco, da Universidade Candido Mendes, de que era possível que Sandro tivesse provocado a própria morte. A explicação foi inaudível, por motivos técnicos.
Para o Ministério Público, a decisão dos jurados é "a volta à barbárie" e o reconhecimento do direito da polícia de matar.
"Pelo que ficou decidido, parece que Sandro se suicidou, morreu de infarto, pneumonia. Ele se asfixiou sozinho? Ninguém nega que Sandro era um criminoso. Teria que ser punido, não morto", disse o promotor Afrânio Silva Jardim, 52, após o julgamento.
Em 12 de junho de 2000, Sandro sequestrou um ônibus da linha 174, no Jardim Botânico (zona sul), e manteve dez pessoas reféns por quatro horas e meia. Ele era sobrevivente da chacina da Candelária, em 23 de julho de 1993, em que oito meninos de rua foram assassinados por PMs.
Quando Sandro saiu do ônibus, com uma das reféns, a professora Geísa Firmo Gonçalves, sob a mira de seu revólver, um PM fez três disparos contra ele. Errou, permitindo que Sandro matasse Geísa, 21, grávida de dois meses.
O capitão disse que, no carro, deu uma "gravata" no pescoço de Sandro, para imobilizá-lo. Negou ter apertado o pescoço e disse que não tinha a intenção de matar. Os soldados disseram que seguravam braços e pernas de Sandro.
Para o legista Nelson Massini, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), nos casos de asfixia por "gravata", o determinante para a morte é a pressão externa sobre o pescoço. "Com dois minutos, a pessoa desmaia. Com três, tem morte cerebral. Com seis ou sete, pára de respirar. É uma morte cruel."
O ponto mais explorado pela defesa foi o medo da sociedade diante da violência: "Temos, de um lado, Sandro e os marginais; de outro, esses homens [os PMs" e a sociedade. Se eles forem condenados, só os marginais baterão palmas", disse Sahione.
A acusação inicial era de homicídio duplamente qualificado, por causa do meio utilizado (asfixia), considerado cruel, e da impossibilidade de defesa da vítima. A pena seria de 12 anos a 30 anos.
A Promotoria ainda minimizou a acusação, pedindo só a condenação por homicídio doloso, sem os qualificativos e atenuado por violenta emoção. Assim, a pena seria de quatro anos. "Colocá-los por 20 anos na prisão não vai ressuscitar o Sandro. Agora, a população não vai acreditar em história da carochinha de que foi "suicídio culposo'", disse o promotor.
Com a leitura da sentença, às 5h47, parentes e amigos dos PMs comemoraram com choro e abraços. Não havia no plenário parentes ou amigos de Sandro.
O recurso por novo júri deverá ser apreciado em 2003.


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