São Paulo, domingo, 12 de dezembro de 2010

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ANÁLISE

Outros países já fizeram as contas: é melhor devolver aos rios suas várzeas

WAGNER COSTA RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Muita gente desconhece que as avenidas pelas quais transita são, na verdade, rios que tiveram seus cursos desviados ou retificados.
A urbanização dos fundos de vales foi uma febre "modernizadora" que assolou cidades e metrópoles brasileiras como uma resposta ao crescimento da frota de veículos automotores. Ela espelha a articulação de dois setores: construção e montadoras de automóveis.
Já faz tempo que são conhecidas as consequências da escolha desse padrão de criação de vias de circulação em cidades: aumento da velocidade da água, já que os rios perdem seus meandros naturais; diminuição de área permeável, como as várzeas dos rios, que eram tradicionalmente ocupadas pela água nos períodos de cheias o que permitia o espraiamento da água, que era retida com mais facilidade; perda de cobertura vegetal original, que retinha a água e dificultava a erosão das margens, o que amenizava o assoreamento do rio.
Essa série de situações repercute no processo de apropriação do espaço urbano. Não é raro vias transbordarem, em especial nos sazonais períodos chuvosos, cujo resultado mais aparente é noticiado com destaque: enormes congestionamentos, retratados em imagens que são apresentadas ano a ano, na busca de recordes de quilômetros de vias lotadas de automóveis parados.
Mas existem resultados muito mais trágicos, em geral sem a mesma visibilidade. Pessoas perdem seus pertences ou, pior, morrem carregadas pela água da chuva que, ao chegar mais rapidamente ao fundo de vale e não tendo como penetrar no solo, acumula-se rapidamente destruindo edificações frágeis sustentadas precariamente.
Apesar de vivermos em um ambiente tecnicizado, os processos naturais continuam a ocorrer e afetam os objetos técnicos (avenidas, edificações, pontes) e as pessoas. Não dá para esquecer da natureza, ainda que vivamos no abrigo aparentemente confortável e protegido que as cidades representam.
Em alguns países já fizeram as contas e decidiram que, melhor que ter prejuízos anuais com indenizações de cidadãos, é melhor devolver aos rios suas várzeas. A renaturalização, como é chamada, também devolve aos cidadãos áreas de lazer e remodela o sistema de transporte, que enfatiza o caráter público e coletivo em detrimento dos carros.

Wagner Costa Ribeiro é geógrafo, professor do Depto. de Geografia e do Instituto de Estudos Avançados da USP


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