São Paulo, domingo, 12 de dezembro de 2010

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ANÁLISE ERROS MÉDICOS

Falha que matou Stephanie não é raridade

Pesquisa em hospital de São Paulo constatou 440 problemas em um ano, um quinto por troca de medicamentos


QUEM É O CULPADO? CERTAMENTE NÃO É UM ÚNICO INDIVÍDUO. FALHA É DE TODO UM PROCESSO


CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Stephanie, 12, de São Paulo, morreu após receber vaselina em vez de soro na veia. O mesmo fim teve Helena, 3, de Andira (SP), após tomar uma injeção de ampicilina sódica diluída em cloreto de potássio-em vez de água destilada. Verônica, 31, do Rio, foi operada no lado esquerdo do cérebro, quando a cirurgia deveria ser no lado direito. Também morreu.
Chocantes, casos de erros dentro do ambiente hospitalar, seja ele público ou privado, são mais comuns do que se pensa. Só nos EUA, 98 mil mortes ocorrem todos os anos por erros evitáveis cometidos por médicos ou pela área da enfermagem. No mundo, estimativas da OMS dão conta de que as mortes anuais cheguem a 5 milhões.
Embora não haja estatísticas semelhantes no Brasil, supõe-se uma realidade parecida. Pesquisa feita em 2007 em um hospital público na zona sul de São Paulo notificou 440 erros no período de um ano.
Falhas de medicação responderam por quase um quinto dos casos. Entre eles, troca de remédio do paciente, medicação certa em paciente errado e erros de dose.

CONDIÇÕES
Para os pesquisadores, muitas são as condições que favorecem os erros no âmbito hospitalar. Há uma interdependência entre os profissionais e cada um acredita que o outro fez sua parte.
O farmacêutico acredita que o médico prescreveu o remédio certo; quem o prepara acredita que o farmacêutico já fez a triagem; a área de enfermagem, que administra a droga, não faz a dupla checagem, pois crê que quem preparou confirmou todos os itens (medicamento correto, dose, hora e paciente). Até que o erro é detectado. A partir daí, surge uma grande pressão para se descobrir o culpado.
Quem é o culpado? Certamente não é um único indivíduo. A falha é de todo um processo. A boa notícia é que já existem várias ferramentas que, se não coíbem por completo, minimizam muito a chance de erro.
Atualmente, alguns hospitais brasileiros, seguindo tendência mundial, têm procurado empresas certificadoras para a avaliação de suas rotinas e seguido modelos em busca de mais segurança.
Para evitar erros de medicação, por exemplo, são usadas várias estratégias. Desde trancar as drogas mais envolvidas em erros em um cofre -só pessoas autorizadas têm a senha- até personalizar o remédio desde a farmácia do hospital, com o nome do paciente, posologia e horários.
No leito, a enfermagem checa todos os dados. Os pacientes usam pulseiras com um código de barras onde as informações são rechecadas.
Evitar a operação de membros errados é outra preocupação. As recomendações internacionais são para que os pacientes já cheguem ao centro cirúrgico com o local da cirurgia demarcado.
O médico checa, o enfermeiro pergunta e o paciente-antes de ser anestesiado-confirma o membro a ser operado. Parece exagero, mas não é. Nos EUA, do total de eventos que acabam em morte ou lesões sérias nos hospitais, 13,1% são cirurgias em local errado.

PROCEDIMENTOS
No Brasil, não existem normas claras que obriguem os hospitais a notificar as falhas ou a investirem na segurança do paciente. Impera a cultura de ocultar problemas para evitar punições.
Outro erro, na avaliação do médico Allen Kachalia, professor-assistente de medicina da Harvard Medical School. "Começar a falar dos nossos erros faz com que outras pessoas aprendam com eles e deixem de cometê-los", disse ele à Folha.
Para impedir que mais Stephanies, Helenas e Verônicas morram por erros evitáveis, seria salutar que mais pessoas o escutassem.


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