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Para o consultor norte-americano Brian Jenkins, ineficácia e corrupção policial levam famílias a buscar a ajuda de empresas
Descrédito estimula negociador de sequestro
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Sempre que houver ineficácia
ou corrupção policial, famílias de
vítimas de sequestros irão sentir
impulso natural para contratar
negociadores privados e fazer seguros contra esse tipo de crime.
"Famílias de sequestrados não estão interessadas no bem-estar da
sociedade nem na reputação da
polícia, mas na liberação de seus
parentes", disse à Folha Brian
Jenkins, 59, consultor privado e
ex-executivo da Kroll Associates,
empresa de investigação baseada
em Nova York (EUA).
Jenkins é uma das pessoas mais
habilitadas a falar sobre sequestros comuns e políticos, especialmente na América Latina. Ele participou, como consultor privado,
de 30 casos de sequestros na região nos anos 90. Disse ter obtido
sucesso em todos eles.
Seu envolvimento no assunto
foi acidental. Depois de obter
mestrado em história, Jenkins
serviu o Exército norte-americano para pagar sua faculdade. Acabou lutando no Vietnã e participando das forças de intervenção
na República Dominicana.
Saiu do Exército e foi para a
Rand Corporation -empresa de
consultoria para a qual voltou recentemente. No início da década
de 70, escreveu um artigo sobre o
potencial do sequestro como tática terrorista. Estudou o tema.
Captou a atenção do Departamento de Estado norte-americano, que o enviou ao Brasil para
pesquisar o fenômeno e montar
uma estratégia de negociação em
futuros sequestros.
Entrevistou os diplomatas estrangeiros sequestrados no Brasil
durante o regime militar (o embaixador norte-americano Charles Elbrick, em 1969, o cônsul japonês no Rio Nobuo Okushi, em
1970, e o embaixador suíço Giovanni Bucher, também em 1970).
Antes de tornar-se consultor
profissional, negociou gratuitamente para empresas e famílias
na Argentina e no Uruguai, onde
desenvolveu seu know-how. Jenkins falou à Folha por telefone da
Califórnia, onde mora.
Folha - Existe alguma implicação
política na participação de grupos
terroristas chilenos no sequestro
de empresários brasileiros como
Washington Olivetto e Abílio Diniz? Esse envolvimento revela alguma tendência ou identifica alguma realidade oculta?
Brian Jenkins - Atualmente, toda
vez que vemos um grupo com aspirações políticas sequestrando e
exigindo resgates, pode haver
dois objetivos: arrecadar dinheiro
para financiar a insurgência ou
simplesmente fugir e sobreviver
porque não restou muito de suas
organizações. A Frente Patriótica
Manuel Rodríguez/Dissidente é
uma organização que foi ativa no
passado, não sei se ainda tem força para montar uma insurgência.
Mas às vezes os dois objetivos não
são excludentes. Quando estão
desempregados, antigos combatentes -sejam eles soldados,
guerrilheiros ou veteranos de serviços de segurança de governos-
podem migrar para a criminalidade comum levando tecnologia
e armas.
Folha - Há décadas a América Latina lidera o ranking de sequestros
no mundo. A região tem tradição e
até inovou em matéria de sequestros políticos nas últimas três décadas. O coordenador da agência de
contraterrorismo do Departamento de Estados dos EUA, Francis Taylor, afirmou que o sequestro do
embaixador norte-americano
Charles Elbrick no Brasil, em 1969,
representou o primeiro ato de terrorismo moderno.
Jenkins - A tradição dos sequestros é muito longa. A palavra
"kidnapping" (sequestro, em inglês) surgiu no século 17 na Inglaterra. Seu significado etmológico
é "roubo de crianças". Na época,
crianças eram roubadas e vendidas para trabalhar como escravas
na agricultura de colônias como
Bermudas ou Virgínia. Mas sequestros existiam antes da invenção da palavra. O escritor Miguel
de Cervantes foi sequestrado por
piratas durante cinco anos na Argélia. Seu resgate foi negociado
por uma ordem católica na Espanha especializada no assunto, assim como as empresas de assessoria em sequestros de hoje. Durante a Idade Média, o rei inglês Ricardo Coração de Leão foi mantido refém por cinco anos, até pagar um resgate. Júlio César foi sequestrado e mantido refém por
piratas sicilianos. Não quero tirar
o crédito da América Latina, mas
a tradição é mais longa...
Folha - Mas e o sequestro por motivos políticos? Começou no Brasil?
Jenkins - Sim, parece ter começado na América Latina, mas não
no Brasil. Ocorreu antes de Elbrick. O piloto argentino Juan
Manuel Fangio foi sequestrado
em 1958 por terroristas cubanos.
O adido militar dos EUA na Venezuela também, em 1964. Os norte-americanos às vezes vêem o mundo de forma etnocêntrica. Mas é
verdade que o sequestro com exigências políticas tornou-se uma
tática usual no repertório da guerrilha urbana no Brasil e no Uruguai a partir dos 60. Aliás, foi altamente recomendado no manual
de Carlos Marighela [líder guerrilheiro da ALN (Aliança Libertadora Nacional), morto em 1969".
Folha - Em que momento grupos
extremistas deixaram de fazer exigências políticas e passaram a pedir resgates nos sequestros?
Jenkins - Essa modalidade realmente foi uma inovação da América do Sul. Até o começo dos
anos 70, guerrilheiros sequestravam para pedir a libertação de
prisioneiros ou exigir que ditadores fizessem atos filantrópicos. Sequestros serviam como tática para divulgar afirmações políticas
ou para desestabilizar governos.
Essa noção mudou com a prática
de grupos radicais argentinos na
primeira metade da década de 70.
Eles precisavam de dinheiro e
perceberam que sequestrar era
mais seguro do que assaltar banco. Deram início a sequestros com
pedidos enormes de resgate.
O ápice foi o notório sequestro
dos irmãos Juan e Jorge Born
[executivos e proprietários do
grupo argentino Bunge y Born". A
família pagou US$ 60 milhões aos
sequestradores [leia nesta pág.
texto sobre a morte de um dos sequestradores" para que eles fossem libertados, em 1975 -um
terço do orçamento militar argentino. Foi um dos maiores resgates
já pagos da história. As Farc [Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia" arrecadam cerca de
US$ 300 milhões com sequestros
todos os anos.
Folha - O que o sr. tem a dizer sobre os sequestros relâmpagos?
Jenkins - Toda vez que se noticia
que determinados sequestradores
conseguiram receber resgates milionários, vários criminosos comuns se animam com a idéia. Como nem todos têm condições financeiras e intelectuais para
montar cativeiros adequados, comunicar-se com a família do sequestrado e apanhar o dinheiro
sem serem pegos, a maioria opta
por sequestros relâmpagos ou pela mistura entre as modalidades
de sequestro e de roubo.
Folha - Qual é o impacto psicológico de um crime como o sequestro
na população.
Jenkins - Nenhum outro crime
tem impacto tão ruim como o sequestro. O público tolera níveis
altos de criminalidade ou de roubos, mas manter pessoas reféns
para exigir dinheiro de seus parentes causa repúdio máximo e
alarma a população. Quando as
classes média e baixa também são
afetadas, esse repúdio passa a ser
incontrolável.
Folha - A empresa inglesa Control
Risks foi contratada para assessorar a família do publicitário Washington Olivetto durante o sequestro. O secretário de Estado da Segurança Pública de São Paulo, Saulo
de Castro Abreu Filho, criticou essa
contratação, dizendo que se deve
confiar na polícia. Como um ex-concorrente da Control Risks, qual
é a sua opinião?
Jenkins - Essa e outras empresas
não negociam, mas dão assessoria. Ajudam famílias e companhias a evitarem erros que podem
levar o refém à morte ou prolongar seu sequestro. As famílias optam por contratar esses consultores porque são especificamente
alertadas pelos sequestradores a
não avisarem a polícia. As famílias também costumam evitar a
polícia porque acham que ela é incompetente, corrupta ou porque
desconfiam do envolvimento dela
no sequestro. Famílias de sequestrados não estão interessadas no
bem-estar na sociedade nem na
reputação da polícia, mas na liberação de seus entes queridos.
Folha - E quanto ao seguro antisequestro? A polícia argumenta
que ele cria um círculo vicioso, pois
os sequestradores sabem que sempre haverá uma fonte de recursos
para pagar o resgate.
Jenkins - Não é verdade. Os seguros geralmente trazem como
condição que a família da vítima
aceite a participação de consultores (como os da Control Risks ou
da Kroll) que, sendo frios na negociação, acabam reduzindo o valor do resgate.
Folha - Por que o sr. é contra congelar o patrimônio dos sequestrados ou criminalizar o pagamento
de resgates?
Jenkins - Filosoficamente, acho
errado punir a vítima ou sua família. Na prática, tais medidas tiram os sequestros dos números
oficiais. As famílias simplesmente
deixam de comunicar ao governo.
Folha - Os EUA têm dito que grupos terroristas atuam na região da
tríplice fronteira e que as Farc estariam operando dentro do território
brasileiro. O Brasil insiste que isso
é ficção. O sequestro de Olivetto
prova algo nesse sentido?
Jenkins - A idéia de que as fronteiras brasileiras estão sob controle é apenas uma suposição. Não
quero criticar o Brasil, mas grande parte da fronteira entre o Brasil
e a Colômbia é terra de ninguém.
Aqui nos EUA é quase impossível
controlar nossas fronteiras. Qualquer país que afirme que consegue controlar suas fronteiras está
manifestando uma proposição, e
não descrevendo um fato.
Folha - E a Tríplice Fronteira?
Jenkins - É notoriamente palco
de contrabando e de fluxo descontrolado de pessoas e de mercadorias.
Folha - Mas isso não prova a existência de terrorismo na região.
Jenkins - Não, mas ninguém pode assegurar a inexistência de
uma ligação. Pode haver elementos extremistas vivendo entre a
população muçulmana na região.
Não estou alegando que todos os
muçulmanos apóiam terroristas,
mas, dentro da população de árabes na região, identificaram-se sinais de uma colaboração com
grupos terroristas.
Folha - Mas onde estão as provas?
Jenkins - Tudo deve ser investigado. Existe na região tráfico de
narcóticos, centros tradicionais
de contrabando e populações migrando de um país para outro.
Não dá para dizer que existe uma
conspiração ampla conectando
traficantes, contrabandistas paraguaios, Osama bin Laden e terroristas da Frente Patriótica Manuel
Rodríguez/Dissidente. No entanto eles se cruzam e criam ambientes nos quais extremistas podem
obter apoio material, documentos ilegais. Houve indícios concretos ligando as Farc a outros grupos terroristas.
Folha - É possível imaginar a ligação das Farc com os rodriguistas?
Jenkins - É possível, mas apenas
hipótese. As Farc devem ser olhadas não só como entidades políticas, mas também empresariais.
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