São Paulo, quarta-feira, 13 de fevereiro de 2002

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Para o consultor norte-americano Brian Jenkins, ineficácia e corrupção policial levam famílias a buscar a ajuda de empresas

Descrédito estimula negociador de sequestro

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Sempre que houver ineficácia ou corrupção policial, famílias de vítimas de sequestros irão sentir impulso natural para contratar negociadores privados e fazer seguros contra esse tipo de crime. "Famílias de sequestrados não estão interessadas no bem-estar da sociedade nem na reputação da polícia, mas na liberação de seus parentes", disse à Folha Brian Jenkins, 59, consultor privado e ex-executivo da Kroll Associates, empresa de investigação baseada em Nova York (EUA).
Jenkins é uma das pessoas mais habilitadas a falar sobre sequestros comuns e políticos, especialmente na América Latina. Ele participou, como consultor privado, de 30 casos de sequestros na região nos anos 90. Disse ter obtido sucesso em todos eles.
Seu envolvimento no assunto foi acidental. Depois de obter mestrado em história, Jenkins serviu o Exército norte-americano para pagar sua faculdade. Acabou lutando no Vietnã e participando das forças de intervenção na República Dominicana.
Saiu do Exército e foi para a Rand Corporation -empresa de consultoria para a qual voltou recentemente. No início da década de 70, escreveu um artigo sobre o potencial do sequestro como tática terrorista. Estudou o tema. Captou a atenção do Departamento de Estado norte-americano, que o enviou ao Brasil para pesquisar o fenômeno e montar uma estratégia de negociação em futuros sequestros.
Entrevistou os diplomatas estrangeiros sequestrados no Brasil durante o regime militar (o embaixador norte-americano Charles Elbrick, em 1969, o cônsul japonês no Rio Nobuo Okushi, em 1970, e o embaixador suíço Giovanni Bucher, também em 1970).
Antes de tornar-se consultor profissional, negociou gratuitamente para empresas e famílias na Argentina e no Uruguai, onde desenvolveu seu know-how. Jenkins falou à Folha por telefone da Califórnia, onde mora.

Folha - Existe alguma implicação política na participação de grupos terroristas chilenos no sequestro de empresários brasileiros como Washington Olivetto e Abílio Diniz? Esse envolvimento revela alguma tendência ou identifica alguma realidade oculta?
Brian Jenkins -
Atualmente, toda vez que vemos um grupo com aspirações políticas sequestrando e exigindo resgates, pode haver dois objetivos: arrecadar dinheiro para financiar a insurgência ou simplesmente fugir e sobreviver porque não restou muito de suas organizações. A Frente Patriótica Manuel Rodríguez/Dissidente é uma organização que foi ativa no passado, não sei se ainda tem força para montar uma insurgência. Mas às vezes os dois objetivos não são excludentes. Quando estão desempregados, antigos combatentes -sejam eles soldados, guerrilheiros ou veteranos de serviços de segurança de governos- podem migrar para a criminalidade comum levando tecnologia e armas.

Folha - Há décadas a América Latina lidera o ranking de sequestros no mundo. A região tem tradição e até inovou em matéria de sequestros políticos nas últimas três décadas. O coordenador da agência de contraterrorismo do Departamento de Estados dos EUA, Francis Taylor, afirmou que o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick no Brasil, em 1969, representou o primeiro ato de terrorismo moderno.
Jenkins -
A tradição dos sequestros é muito longa. A palavra "kidnapping" (sequestro, em inglês) surgiu no século 17 na Inglaterra. Seu significado etmológico é "roubo de crianças". Na época, crianças eram roubadas e vendidas para trabalhar como escravas na agricultura de colônias como Bermudas ou Virgínia. Mas sequestros existiam antes da invenção da palavra. O escritor Miguel de Cervantes foi sequestrado por piratas durante cinco anos na Argélia. Seu resgate foi negociado por uma ordem católica na Espanha especializada no assunto, assim como as empresas de assessoria em sequestros de hoje. Durante a Idade Média, o rei inglês Ricardo Coração de Leão foi mantido refém por cinco anos, até pagar um resgate. Júlio César foi sequestrado e mantido refém por piratas sicilianos. Não quero tirar o crédito da América Latina, mas a tradição é mais longa...

Folha - Mas e o sequestro por motivos políticos? Começou no Brasil?
Jenkins -
Sim, parece ter começado na América Latina, mas não no Brasil. Ocorreu antes de Elbrick. O piloto argentino Juan Manuel Fangio foi sequestrado em 1958 por terroristas cubanos. O adido militar dos EUA na Venezuela também, em 1964. Os norte-americanos às vezes vêem o mundo de forma etnocêntrica. Mas é verdade que o sequestro com exigências políticas tornou-se uma tática usual no repertório da guerrilha urbana no Brasil e no Uruguai a partir dos 60. Aliás, foi altamente recomendado no manual de Carlos Marighela [líder guerrilheiro da ALN (Aliança Libertadora Nacional), morto em 1969".

Folha - Em que momento grupos extremistas deixaram de fazer exigências políticas e passaram a pedir resgates nos sequestros?
Jenkins -
Essa modalidade realmente foi uma inovação da América do Sul. Até o começo dos anos 70, guerrilheiros sequestravam para pedir a libertação de prisioneiros ou exigir que ditadores fizessem atos filantrópicos. Sequestros serviam como tática para divulgar afirmações políticas ou para desestabilizar governos. Essa noção mudou com a prática de grupos radicais argentinos na primeira metade da década de 70. Eles precisavam de dinheiro e perceberam que sequestrar era mais seguro do que assaltar banco. Deram início a sequestros com pedidos enormes de resgate.
O ápice foi o notório sequestro dos irmãos Juan e Jorge Born [executivos e proprietários do grupo argentino Bunge y Born". A família pagou US$ 60 milhões aos sequestradores [leia nesta pág. texto sobre a morte de um dos sequestradores" para que eles fossem libertados, em 1975 -um terço do orçamento militar argentino. Foi um dos maiores resgates já pagos da história. As Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia" arrecadam cerca de US$ 300 milhões com sequestros todos os anos.

Folha - O que o sr. tem a dizer sobre os sequestros relâmpagos?
Jenkins -
Toda vez que se noticia que determinados sequestradores conseguiram receber resgates milionários, vários criminosos comuns se animam com a idéia. Como nem todos têm condições financeiras e intelectuais para montar cativeiros adequados, comunicar-se com a família do sequestrado e apanhar o dinheiro sem serem pegos, a maioria opta por sequestros relâmpagos ou pela mistura entre as modalidades de sequestro e de roubo.

Folha - Qual é o impacto psicológico de um crime como o sequestro na população.
Jenkins -
Nenhum outro crime tem impacto tão ruim como o sequestro. O público tolera níveis altos de criminalidade ou de roubos, mas manter pessoas reféns para exigir dinheiro de seus parentes causa repúdio máximo e alarma a população. Quando as classes média e baixa também são afetadas, esse repúdio passa a ser incontrolável.

Folha - A empresa inglesa Control Risks foi contratada para assessorar a família do publicitário Washington Olivetto durante o sequestro. O secretário de Estado da Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, criticou essa contratação, dizendo que se deve confiar na polícia. Como um ex-concorrente da Control Risks, qual é a sua opinião?
Jenkins -
Essa e outras empresas não negociam, mas dão assessoria. Ajudam famílias e companhias a evitarem erros que podem levar o refém à morte ou prolongar seu sequestro. As famílias optam por contratar esses consultores porque são especificamente alertadas pelos sequestradores a não avisarem a polícia. As famílias também costumam evitar a polícia porque acham que ela é incompetente, corrupta ou porque desconfiam do envolvimento dela no sequestro. Famílias de sequestrados não estão interessadas no bem-estar na sociedade nem na reputação da polícia, mas na liberação de seus entes queridos.

Folha - E quanto ao seguro antisequestro? A polícia argumenta que ele cria um círculo vicioso, pois os sequestradores sabem que sempre haverá uma fonte de recursos para pagar o resgate.
Jenkins -
Não é verdade. Os seguros geralmente trazem como condição que a família da vítima aceite a participação de consultores (como os da Control Risks ou da Kroll) que, sendo frios na negociação, acabam reduzindo o valor do resgate.

Folha - Por que o sr. é contra congelar o patrimônio dos sequestrados ou criminalizar o pagamento de resgates?
Jenkins -
Filosoficamente, acho errado punir a vítima ou sua família. Na prática, tais medidas tiram os sequestros dos números oficiais. As famílias simplesmente deixam de comunicar ao governo.

Folha - Os EUA têm dito que grupos terroristas atuam na região da tríplice fronteira e que as Farc estariam operando dentro do território brasileiro. O Brasil insiste que isso é ficção. O sequestro de Olivetto prova algo nesse sentido?
Jenkins -
A idéia de que as fronteiras brasileiras estão sob controle é apenas uma suposição. Não quero criticar o Brasil, mas grande parte da fronteira entre o Brasil e a Colômbia é terra de ninguém. Aqui nos EUA é quase impossível controlar nossas fronteiras. Qualquer país que afirme que consegue controlar suas fronteiras está manifestando uma proposição, e não descrevendo um fato.

Folha - E a Tríplice Fronteira?
Jenkins -
É notoriamente palco de contrabando e de fluxo descontrolado de pessoas e de mercadorias.

Folha - Mas isso não prova a existência de terrorismo na região.
Jenkins -
Não, mas ninguém pode assegurar a inexistência de uma ligação. Pode haver elementos extremistas vivendo entre a população muçulmana na região. Não estou alegando que todos os muçulmanos apóiam terroristas, mas, dentro da população de árabes na região, identificaram-se sinais de uma colaboração com grupos terroristas.

Folha - Mas onde estão as provas?
Jenkins -
Tudo deve ser investigado. Existe na região tráfico de narcóticos, centros tradicionais de contrabando e populações migrando de um país para outro. Não dá para dizer que existe uma conspiração ampla conectando traficantes, contrabandistas paraguaios, Osama bin Laden e terroristas da Frente Patriótica Manuel Rodríguez/Dissidente. No entanto eles se cruzam e criam ambientes nos quais extremistas podem obter apoio material, documentos ilegais. Houve indícios concretos ligando as Farc a outros grupos terroristas.

Folha - É possível imaginar a ligação das Farc com os rodriguistas?
Jenkins -
É possível, mas apenas hipótese. As Farc devem ser olhadas não só como entidades políticas, mas também empresariais.



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