São Paulo, sábado, 13 de fevereiro de 2010

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Carnaval 2010

Samba de resistência

A Lavapés, mais antiga escola em atividade, desfila no grupo 3 e tenta reviver os tempos de campeã em SP

RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem passa pela rua Lavapés, na Baixada do Glicério (centro de São Paulo), não consegue imaginar que dentro de uma daquelas casas sem cor e mal conservadas fica a sede de uma escola de samba.
E muito menos consegue imaginar que se trata da escola mais antiga em atividade (73 anos) e mais vitoriosa (19 títulos) do Carnaval de São Paulo.
É a Lavapés, uma agremiação que até os anos 70 arrastava multidões para os desfiles de rua no centro antigo, mas hoje luta para não desaparecer. Não concorre no grupo de elite há quase quatro décadas. Seu desfile será depois de amanhã numa rua da Vila Esperança (zona leste), longe do sambódromo. O grupo 3 do Carnaval não tem camarote, celebridade nem TV.
Na terça passada, uma máquina de costura trabalhava ruidosamente na casa da rua Lavapés. As últimas fantasias ainda não estavam prontas.
A história da Lavapés começa com Deolinda Madre, uma negra pobre e filha de escravos que vendia limões no centro de São Paulo. Nos anos 1930, ela e o marido, Francisco Papa, eram figuras populares. Cantavam marchinhas no rádio nas semanas que antecediam o Carnaval.
Madrinha Eunice e Chico Pinga -seus apelidos- conheceram as escolas de samba do Rio em 1936. Ficaram tão deslumbrados que decidiram criar em São Paulo algo parecido. Em fevereiro de 1937, fundavam a Lavapés. Os primeiros desfiles foram no centro antigo.

Recordes
A Lavapés só não é mais antiga que a escola Primeira de São Paulo, que foi criada em 1935 e desapareceu na década seguinte, quando o Carnaval foi suspenso por causa da Segunda Guerra. Madrinha Eunice, ao contrário, conseguiu manter a Lavapés viva nesse hiato.
O título de escola de samba mais antiga em atividade às vezes provoca polêmica porque a Vai-Vai foi criada em 1930, mas como cordão carnavalesco. A transformação da Vai-Vai em escola só ocorreria em 1972.
O número de títulos também é motivo de discussão. Considerados só os campeonatos oficiais, de 1968 em diante, a Vai-Vai é a grande campeã, com 13 títulos. Contabilizados os desfiles anteriores, a Lavapés ostenta 19 vitórias no grupo de elite.
Os anos dourados da Lavapés terminaram na década de 1970. A escola saiu do grupo especial e, num efeito dominó, continuou despencando -grupo de acesso, grupo 1, grupo 2 e finalmente grupo 3. É onde está hoje. Só não chegou ao fundo do poço porque há o grupo 4.
Madrinha Eunice continuou firme à frente de sua Lavapés até morrer, em 1995, aos 87 anos. A neta Rose Marcondes, então, assumiu a missão de reerguer a agremiação.
"Talvez a Lavapés tenha caído porque minha avó era muito ligada ao passado, não queria acompanhar a evolução do Carnaval. Tinha medo quando lhe propunham parceria", recorda.
Há anos a escola não tem barracão. A sede é a casa alugada de dois quartos onde Rose vive com o marido, quatro filhos e um cachorro. A sala está abarrotada de fantasias e o quintal, de tambores. "Se você vier depois do Carnaval, não vai ver mais nada disso. Uma tristeza", diz Rose, que no restante do ano trabalha fazendo salgados.
No desfile deste ano, a escola presta homenagem a Madrinha Eunice e Carmen Miranda. A subvenção dada pela prefeitura, R$ 40 mil, só dá para um carro alegórico e 600 fantasias.
"As ligas e as escolas deveriam ajudar a Lavapés a subir", diz Maria Apparecida Urbano, historiadora e ex-carnavalesca. "Não digo colocá-la entre as primeiras, mas ao menos não deixá-la desaparecer. Afinal, é a raiz do samba de São Paulo."


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