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São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 2003

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PASQUALE CIPRO NETO

Patacoada Futebol Clube

Nélson Rodrigues dizia que o futebol é a coisa mais importante das menos importantes. Concordo com ele. Sou doentiamente apaixonado pelo "esporte bretão". Deliciam-me os dribles e passes de Cacá (por que "Kaká"?), as mortais arrancadas de Gil pela esquerda e as geniais diabruras de Robinho e Diego.
Quando a coisa sai do campo de jogo, a história muda -e muito. Maracutaias à parte, o pessoal que "dirige" o futebol brasileiro é especialista em criar regulamentos burros. Sim, burros, porque nenhum adjetivo pode definir melhor essas patacoadas perpetradas por esses gênios.
Antes que me esqueça, vou avisando que esta coluna não fala de esporte, não. Meu assunto é outro. O futebol será só pretexto para a análise de algo muito mais importante: o raciocínio lógico, a diferença entre o absoluto e o relativo, temas de que, por sinal, já tratei algumas vezes neste espaço.
O leitor certamente sabe dos vários estudos publicados de tempos em tempos a respeito da capacidade de leitura e compreensão de textos, do raciocínio lógico e matemático, da percepção da realidade, da competência para relacionar dados e fatos etc.
O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), por exemplo, avalia basicamente esses atributos. Em uma de suas clássicas questões, a banca pediu aos candidatos que informassem quantas viagens seriam necessárias para que três pessoas atravessassem um rio. Os dados eram estes: havia só um barco, que suportava até 150 kg. O passageiro mais magro pesava 50 kg; o mais gordo, 120 kg; o intermediário, 70 kg.
Já pensou? De que disciplina é essa questão? É de matemática? De texto? Ou de tudo? É bom lembrar que o Enem não divide as questões por matéria, já que o alvo da prova é a verificação das várias habilidades (aquelas de que falei no quarto parágrafo).
Vamos lá: na primeira viagem, o gordinho não pode ir, certo? Se ele for, ninguém mais vai; se for sozinho, o barco não volta. Quem vai primeiro? Os dois mais leves (50 + 70 = 120; o barco suporta 150). Um fica (qualquer um) e outro volta. O que volta fica, para o mais pesado atravessar o rio, sozinho. O que tinha ficado na primeira viagem retorna e apanha o que voltou ao ponto de partida. Moral da história: cinco viagens para que os três atravessem o rio.
O que essa história tem que ver com o futebol? Pois bem, estamos em plena final do Campeonato Paulista, e o assunto da semana é a "vantagem". Quem joga por "dois resultados iguais" (bobagem que muita gente adora perpetrar; se um time perde as duas de 15 x 0 é campeão?)?
Lido e relido o regulamento, feitas as contas, chegou-se à conclusão de que a vantagem é do São Paulo, porque "tem melhor campanha". Por acaso São Paulo e Corinthians enfrentaram os mesmos adversários? Os pontos obtidos pelas duas equipes saíram do mesmo universo? Não; os dois times sempre enfrentaram adversários distintos.
Moral da história: ninguém tem melhor campanha, porque as campanhas são diferentes. Em outras palavras, não se pode tratar como relativo o que na verdade é absoluto. Se A ganha de B e de C, enquanto X empata com Y e Z, não se pode concluir que A é melhor que X. Entendeu? É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
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