São Paulo, Sábado, 13 de Março de 1999
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LETRAS JURÍDICAS

Atos institucionais e uma voz corajosa

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

Abril de 1969 entra nesta revisão histórica dos atos institucionais editados pelo regime militar naquele ano -a ser completada em mais dois comentários- com os atos nº 8 e nº 9, tendo o primeiro o objetivo declarado de satisfazer "a inadiável necessidade de dinamizar a reforma administrativa", e o segundo, para facilitar a reforma agrária.
As questões do funcionalismo público já eram matéria constante na mídia, com a alegação governamental de que as mudanças eram inadiáveis e urgentes, em filme que os brasileiros de hoje continuam a acompanhar. Haveria um pré-requisito: a implantação não poderia aumentar despesas de custeio de pessoal (parágrafo único do artigo 1º).
Os servidores, ocupantes de cargos em comissão ou exercentes de funções gratificadas -aos quais o ato se referia- tiraram conclusão óbvia do pré-requisito: as diferenças sairiam dos bolsos (e das costas) deles.
A maior parte do funcionalismo não seria atingida, mas o susto se estendeu a todos, pois o ato nº 5, de quatro meses antes, havia detonado grande número de punições.
Detentor do poder absoluto, o movimento revolucionário poderia resolver o que lhe parecesse conveniente, mas nem assim a reforma saiu ao gosto dos reformadores. A massa de resistência contra o sacrifício do direito adquirido tem podido, no Brasil e no mundo, mais do que sonham reformistas. A burocracia nega Weber: ela jamais é autofágica e desenvolve mais mecanismos de sua própria proteção do que de produtividade.
No primeiro momento, porém, as perspectivas dos servidores eram ruins. Para implantar a reforma, o Poder Executivo se autorizou a, por meio de simples decreto, mudar a denominação ou reclassificar cargos em comissão e declarar a extinção de outros. O Congresso havia sido fechado, a imprensa, censurada, não havendo canais para queixas, embora seja necessário reconhecer que, mesmo nestes tempos novos de democracia, o direito tem sido ofendido com medidas provisórias, instruções e portarias administrativas que impedem a compreensão e a defesa das pessoas.
O ato institucional nº 9 saiu a 25 de abril daquele ano, voltado especificamente para a reforma agrária. Mudou a Constituição. Eliminou, do artigo 157, a indenização prévia na desapropriação de terras rurais.
A questão pecuária e agrária dos tempos do regime militar recorda um dos mais belos gestos de coragem encontrados na magistratura nacional desse período. Já lhe fiz referência há alguns anos, quando contei a história do então jovem juiz Antônio Carlos Alves Braga, que não permitiu liminarmente a apreensão de rebanhos em sua comarca. O chefe da operação, um coronel, foi conversar com o juiz, na casa deste.
Deixando transparecer a ameaça que resultava de suas palavras, disse que o magistrado estava opondo-se indevidamente a uma ordem do movimento revolucionário. Braga não se atemorizou, respondendo-lhe que era seu dever assegurar o cumprimento da lei. Sua atitude firme impediu que graves abusos fossem cometidos.
Não foram muito numerosos os episódios da mesma estatura durante 1969, razão por que merece ser lembrado mais uma vez, até em homenagem a Antônio Carlos Alves Braga, falecido há pouco mais de uma semana.
Nos meses seguintes haveria um refluxo dos atos institucionais, mas a restrição aos direitos individuais seria especialmente dura na perseguição de inimigos do regime, verdadeiros, supostos ou imaginários. Foram tempos sombrios, que não devem voltar.


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