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LETRAS JURÍDICAS
Atos institucionais e uma voz corajosa
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
Abril de 1969 entra nesta revisão histórica dos atos institucionais editados pelo regime militar
naquele ano -a ser completada
em mais dois comentários-
com os atos nº 8 e nº 9, tendo o
primeiro o objetivo declarado de
satisfazer "a inadiável necessidade de dinamizar a reforma administrativa", e o segundo, para
facilitar a reforma agrária.
As questões do funcionalismo
público já eram matéria constante na mídia, com a alegação
governamental de que as mudanças eram inadiáveis e urgentes, em filme que os brasileiros
de hoje continuam a acompanhar. Haveria um pré-requisito:
a implantação não poderia aumentar despesas de custeio de
pessoal (parágrafo único do artigo 1º).
Os servidores, ocupantes de
cargos em comissão ou exercentes de funções gratificadas -aos
quais o ato se referia- tiraram
conclusão óbvia do pré-requisito: as diferenças sairiam dos bolsos (e das costas) deles.
A maior parte do funcionalismo não seria atingida, mas o
susto se estendeu a todos, pois o
ato nº 5, de quatro meses antes,
havia detonado grande número
de punições.
Detentor do poder absoluto, o
movimento revolucionário poderia resolver o que lhe parecesse conveniente, mas nem assim a
reforma saiu ao gosto dos reformadores. A massa de resistência
contra o sacrifício do direito adquirido tem podido, no Brasil e
no mundo, mais do que sonham
reformistas. A burocracia nega
Weber: ela jamais é autofágica e
desenvolve mais mecanismos de
sua própria proteção do que de
produtividade.
No primeiro momento, porém, as perspectivas dos servidores eram ruins. Para implantar a reforma, o Poder Executivo
se autorizou a, por meio de simples decreto, mudar a denominação ou reclassificar cargos em
comissão e declarar a extinção
de outros. O Congresso havia sido fechado, a imprensa, censurada, não havendo canais para
queixas, embora seja necessário
reconhecer que, mesmo nestes
tempos novos de democracia, o
direito tem sido ofendido com
medidas provisórias, instruções
e portarias administrativas que
impedem a compreensão e a defesa das pessoas.
O ato institucional nº 9 saiu a
25 de abril daquele ano, voltado
especificamente para a reforma
agrária. Mudou a Constituição.
Eliminou, do artigo 157, a indenização prévia na desapropriação de terras rurais.
A questão pecuária e agrária
dos tempos do regime militar recorda um dos mais belos gestos
de coragem encontrados na magistratura nacional desse período. Já lhe fiz referência há alguns
anos, quando contei a história
do então jovem juiz Antônio
Carlos Alves Braga, que não permitiu liminarmente a apreensão
de rebanhos em sua comarca. O
chefe da operação, um coronel,
foi conversar com o juiz, na casa
deste.
Deixando transparecer a
ameaça que resultava de suas
palavras, disse que o magistrado
estava opondo-se indevidamente a uma ordem do movimento
revolucionário. Braga não se
atemorizou, respondendo-lhe
que era seu dever assegurar o
cumprimento da lei. Sua atitude
firme impediu que graves abusos fossem cometidos.
Não foram muito numerosos
os episódios da mesma estatura
durante 1969, razão por que merece ser lembrado mais uma vez,
até em homenagem a Antônio
Carlos Alves Braga, falecido há
pouco mais de uma semana.
Nos meses seguintes haveria
um refluxo dos atos institucionais, mas a restrição aos direitos
individuais seria especialmente
dura na perseguição de inimigos
do regime, verdadeiros, supostos ou imaginários. Foram tempos sombrios, que não devem
voltar.
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