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Milú Villela dedica todo o seu tempo para incentivar o trabalho voluntário no país
Herdeira de banco só trabalha de graça
RICARDO KOTSCHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Sete da manhã de segunda-feira,
7 de maio. Sozinha à mesa, na copa da sua bem arborizada e aconchegante casa no Morumbi, sempre com pressa, ela toma o café da
manhã: um copo de leite de soja
com sabor baunilha e umas bolachinhas de água e sal. Pronto.
Com duas pastas, cinco jornais e
uma sacola a tiracolo, Milú Villela, 54, está preparada para iniciar
mais uma louca jornada de voluntária em tempo integral, que não
tem hora para acabar. Vamos
acompanhá-la.
Herdeira, junto com dois sobrinhos, de 36% das ações do Itaú,
segundo maior banco privado do
país (lucro de R$ 1,8 bilhão no ano
passado), Maria de Lourdes Egydio Villela só trabalha de graça.
Dá algumas orientações aos três
empregados da casa e desce rapidamente as escadas até a garagem. Jurandir dos Santos, há 15
anos seu fiel motorista, já a aguarda perfilado diante do Volvo blindado que a vai levar ao primeiro
compromisso do dia. Destino:
Associação Comunitária Despertar, no Jardim Miriam, um dos
mais violentos bairros da zona sul
de São Paulo, quase na divisa com
a cidade de Diadema.
No caminho, a presidente do
Comitê Nacional para o Ano Internacional do Voluntário, instituído pela ONU em 123 países, vai
lembrando como trocou a pacata
vida de dona-de-casa, preocupada apenas com a educação dos filhos, pela atividade frenética dos
últimos anos.
A inspiração, conta, veio da sua
avó Umbelina, que trabalhou
muitos anos como voluntária numa casa de mães solteiras, na Casa
Verde. Separada do segundo marido, quando viu os dois filhos
crescidos (hoje eles vivem em
Londres), Milú também resolveu
"fazer alguma coisa pelos outros"
- e não parou mais.
Ela não fala sobre os filhos, a família, a vida privada. Seu namorado, Emannuel Prado Lopes, é o
presidente do Viva Centro, uma
entidade também formada por
voluntários.
Milú começou nesta nova vida
em 1991, ajudando uma creche
que fica entre duas favelas, no
Real Parque, o enclave miserável
do Morumbi, onde freiras colombianas cuidavam de 100 crianças.
Era muito pouco para os sonhos
solidários de Milú. "Entrei de sola", recorda, entre uma e outra ligação no telefone celular para a
secretária Ana Maria Pereira, que
há três décadas trabalha com a família Villela.
Logo fez planos para erguer um
galpão de 500 metros quadrados
onde pretendia instalar cursos
profissionalizantes, uma das obsessões de seu pai, Eudoro Libanio Villela, maior acionista do
Itaú, falecido no mês passado.
Mas as freiras acharam o projeto
ousado demais.
MAM e periferia
Os planos de Milú foram se concretizar alguns anos depois, em
1995, na Associação Comunitária
Despertar, que cuida da formação
profissional de 150 jovens entre 14
e 17 anos por semestre e, à noite,
oferece cursos de alfabetização
para 150 adultos.
Na mesma época, ela assumiria
a presidência do Museu de Arte
Moderna (MAM) de São Paulo,
onde promoveu uma verdadeira
revolução cultural, que elevou o
número de visitantes de 9.800, em
1994, para 301 mil no ano passado.
No início do trabalho na Despertar, houve resistência de alguns líderes comunitários do Jardim Miriam, que não viam com
bons olhos a presença daquela
mulher bem vestida, acompanhada de assessores e seguranças.
Agora, quando Milú chega,
pouco depois das 8h, já não causa
surpresa. Vai entrando de sala em
sala, conversa com professores e
alunos, sente-se em casa.
Faz festa quando se encontra
com a arquiteta Amélia Bratke,
amiga desde os tempos de curso
primário, responsável pelas obras
de ampliação da Despertar.
Com o tempo, as duas ganharam a confiança da comunidade.
Além dos cursos profissionalizantes (eletricidade, jardinagem, corte e costura, informática), de alfabetização e de teatro, a associação
comunitária mantém um coral e
oferece atendimento médico,
odontológico e psicológico a
7.000 pessoas por mês.
Um empresário amigo de Milú
ficou tão emocionado com a apresentação do coral no enterro de
Eudoro que doou no ato dois veículos à entidade.
O projeto já tem um filhote, a
Despertar 2, uma creche para 165
crianças de dois meses a cinco
anos, que foi construída em parceria com a prefeitura no Parque
Dorotéia, em Pedreira, também
na região sul da cidade.
"As pessoas chegam aqui olhando para o chão. Quando saem,
conversam com qualquer um
olho no olho", repara Milú, já
preocupada com o horário do vôo
para o Rio de Janeiro, marcado
para 10h28.
Um pulo ao Rio
De pé, encostada no carrinho de
bagagem, ela faz uma última revisão no texto da palestra que dará
no auditório do BNDES, no Rio,
programada para o meio-dia.
A palestra faz parte do ciclo de
debates "Compromisso com um
Brasil Melhor", que a levará a seis
capitais para divulgar, junto com
o psiquiatra e escritor Roberto
Shinyashiki, as atividades do Ano
Internacional do Voluntário.
Única passageira da primeira
classe, aceita apenas um copo d'água, e dá início ao ritual de todos
os dias: a leitura atenta dos principais jornais de São Paulo e do Rio.
Recorta notícias sobre os mais
variados temas, que vai guardando na pasta para depois repassar
aos integrantes do seu "staff" nas
diferentes entidades que dirige.
"Quanto mais eu faço, mais animação eu tenho", diz Milú, hoje
uma pessoa jurídica que não tem
encontrado tempo para cuidar da
pessoa física. Como recebe convites para jantares quase todos os
dias, tem faltado às sessões de ginástica e reflexologia que faz em
casa (mas não deixa de fazer exercícios de meditação por sugestão
de seu primo Frei Betto).
"Às vezes, sou obrigada a ir a
dois, até três jantares na mesma
noite para não perder a chance de
conversar com gente que tem
condições de dar alguma ajuda
para as minhas entidades". Chamada de mecenas, é a maior pedinte da praça.
Se não tem algum almoço de
trabalho -quer dizer, com algum possível patrocinador-,
contenta-se com uma sopa que leva de casa e esquenta no MAM.
Integrante do conselho de 16
instituições, entre eles o da Itaúsa
(holding do grupo Itaú, do qual é
vice-presidente), leva sempre no
carro, além da sopa, algumas roupas para trocar de traje conforme
os compromissos ao longo do dia.
Ao aterrissar no Santos Dumont, no Rio, vai direto ao toalete, onde troca de blusa e tira as
meias para enfrentar o calor, sem
esquecer de retocar a maquiagem.
"Para cada real aplicado no voluntariado, há um retorno de R$
12 para a sociedade. Para cada real
do nosso imposto aplicado pelo
governo na área social, chegam
apenas R$ 0,20 no fim da linha",
contabiliza, no trajeto até o
BNDES, no centro carioca.
Discretamente elegante em seu
tailleur preto e branco de lã mesclada, pula do carro irritada para
saber o que está ocorrendo quando o porteiro demora a liberar a
entrada da garagem do banco.
Roberto Shinyashiki já está à
sua espera, mas o auditório encontra-se semi-deserto na hora
marcada para o início do debate.
Cobra de assessores a falta de divulgação das palestras, mas logo
se acalma quando vê uma longa
fila se formar na entrada da sala
onde fará sua palestra.
Impassível, Shinyashiki, autor
dos best sellers "O Sucesso É Ser
Feliz" e "Os Donos do Futuro",
diverte-se com a impaciência de
Milú. "Ela poderia ser a maior
dondoca deste país e, no entanto,
é uma guerreira", avalia o psiquiatra-escritor.
"Rico no Brasil vê o mundo dele
separado do resto do mundo. É
um erro estratégico fundamental.
Não existe a possibilidade de se
viver num oásis. Esse filme não
pode ter um final feliz."
Com o imenso auditório do
BNDES quase lotado, Milú fala
das suas experiências com trabalho voluntário. "Estamos começando um novo século com milhões e milhões de excluídos e isso
não nos é permitido eticamente",
adverte, para em seguida completar com a frase que orienta todo o
seu trabalho: "As pessoas pobres
não precisam de caridade. Precisam de oportunidade".
Ao final das palestras, Shinyashiki e Milú cantam junto com a
platéia o jingle "Faça Parte", criado para a campanha de rádio do
Ano Internacional do Voluntário.
São cercados por dezenas de pessoas que querem conversar mais
sobre o trabalho voluntário. Uma
senhora, muito emocionada, diz
que eles falaram "as coisas mais
bonitas" que já ouviu na vida. Milú fica feliz em saber que se trata
da consulesa da Suíça no Rio.
Olho no relógio
Sem muito entusiasmo, sempre
de olho no relógio, às 14h30, Milú
acaba aceitando o convite para
uma refeição rápida no Café Europa, na rua Chile, para onde segue a pé. Pede um picadinho e coloca seus dois celulares sobre a
mesa. Não resiste à sugestão do
amigo escritor para provar um
copo de chope tirado de uma torneira colocada no centro da mesa.
Dá três garfadas e diz-se satisfeita.
É hora de correr de volta ao aeroporto para pegar o vôo das
16h04. Duas reuniões ainda a
aguardam, no Centro de Voluntariado de São Paulo e no MAM.
Durante os 45 minutos de vôo, vai
pulando de um assunto a outro,
sempre fazendo planos.
O primeiro deles é tornar permanentes as atividades desenvolvidas pelo ano internacional com
a criação do Instituto Brasil Voluntário. Outro é encontrar um
bom lugar e o dinheiro necessário
para mudar a sede do MAM e tornar a instituição auto-sustentável.
"Estou sempre pensando em fazer coisas novas, mas não tenho
gente nem tempo para fazer tudo
o que quero", constata, sem mostrar desânimo, ao desembarcar
no Aeroporto de Congonhas.
Às 17h35, já está na avenida
Paulista, nas amplas instalações
cedidas pelo Banco Francês e Brasileiro para abrigar o comitê. Ouve um relato de Maria Lúcia Meirelles Reis, sua prima, coordenadora do Ano Internacional do Voluntário e diretora do Centro de
Voluntariado de São Paulo, que
passou o fim de semana fazendo
um balanço dos primeiros meses
de campanha.
Milú abre um largo sorriso ao
ser informada de que o Disque-Voluntário (0800-111814), que começou a funcionar em março, já
recebeu mais de 16 mil chamadas
de todo o país de pessoas interessadas em participar dos trabalhos.
Enquanto ouve os colegas de
comitê, Milú vai assinando documentos que lhe trazem. Antes, lê
com cuidado, quer saber de tudo
nos mínimos detalhes. Aprova a
campanha preparada para o Concurso Nacional da História do
Voluntário - "Sua história de
voluntário pode virar uma história para contar aos netos" - , a
ser lançada nos próximos dias. Os
12 trabalhos selecionados serão
publicados em livro e o vencedor
ganhará uma viagem ao exterior.
É hora de voar para o último
compromisso do dia, no parque
Ibirapuera. Ronaldo Bianchi, superintendente geral do MAM, já
está à sua espera para apresentar
o relatório de abril da instituição.
Em seu minúsculo gabinete, onde
costuma passar a maior parte do
dia, Milú fica feliz com os resultados. Já são 960 os sócios (pessoas
físicas) e 47 os parceiros (empresas); as 17 exposições do museu
receberam 67 mil visitantes e o
acervo chegou a 3.281 obras.
A caminho do auditório, ela
conversa em francês com o dono
de uma empresa que prepara um
evento no auditório. Encontra um
copo quebrado no chão e manda
chamar a faxineira. É um dos seus
hábitos: cuida de cada entidade
que dirige como se fosse sua casa.
"Até que hoje foi um dia calmo", comenta sorrindo, como se
tivesse acabado de acordar, ao
embarcar de volta para o Morumbi, pouco depois das 21h. Hoje vai
dar tempo até para a sua sessão de
reflexologia, hora de relaxar. À
sua espera para o jantar, apenas
um prato de carne moída com
brócolis no vapor.
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