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Gravação revela insegurança de pilotos
Transcrição da caixa-preta do Legacy mostra desconhecimento em relação ao equipamento antes do acidente com o Boeing da Gol
Lepore e Paladino ficaram meia hora calculando peso do jato; transponder ficou inoperante e alteração
de altitude não foi feita
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Demonstrando incertezas
sobre o pouso e a decolagem na
escala prevista em Manaus, os
pilotos do Legacy da ExcelAire,
Joe Lepore e Jan Paladino, passaram cerca de 30 minutos
concentrados com cálculos de
peso do avião em um laptop depois de sobrevoar Brasília.
Foi neste período que ocorreram dois fatores que contribuíram para a colisão: o transponder ficou inoperante e a
mudança de altitude do plano
de vôo não foi feita.
A transcrição original em inglês da caixa-preta do Legacy
mostra que Lepore e Paladino
não estavam confiantes no vôo
inaugural do jato. Expressaram
falta de familiaridade com
equipamentos, "medo" de cometer erros e desconhecimento de informações operacionais
do vôo em diversos momentos
do diálogo que antecedeu o acidente do dia 29 de setembro de
2006, que deixou 154 mortos.
No relatório parcial da investigação aeronáutica do acidente, o Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes
Aeronáuticos) anunciou como
um dos próximos quatro pontos focais de apuração o "conhecimento e preparo previstos aos pilotos do N600XL [nome do Legacy] para a realização
do vôo no Brasil".
O treinamento dos pilotos
para operar o Legacy era uma
obrigação contratual da Embraer. Ambos passaram pela
academia americana FlightSafety no mês de agosto, em que
obtiveram proficiência. E receberam instrução adicional da
Embraer em setembro em São
José dos Campos (SP) -inclusive no uso de um software instalado no laptop de Lepore para
cálculos de desempenho de
vôo, como peso e equilíbrio.
Quando o transponder parou
de funcionar, às 16h02 (horário
de Brasília), estavam justamente fazendo esses cálculos. Não
se sabe ainda o que levou o
transponder a ficar inativo,
mas há consenso de que não foi
proposital. Sem ele, os controladores não sabiam a altitude
real do avião, e o TCAS (alerta
anticolisão) não funciona.
O aviso na cabine de inoperância dessa linha de transponder também foi considerado
precário, e o FAA (Administração Federal de Aviação, na sigla
em inglês) nos Estados Unidos
já recebeu recomendação de
segurança da NTSB (National
Transportation Safety Board, a
agência de segurança de vôo
dos EUA) para alertar todos os
pilotos sobre isso e pedir mudanças no aparelho.
Ambos os pilotos são licenciados para voar em aeronaves
Embraer-145 e já afirmaram
-em entrevista à Folha em dezembro do ano passado- que
estavam familiarizados com o
avião. Mas, nesse vôo, expressaram dificuldades com: cálculo do centro de gravidade, o uso
do FMS (Flight Management
System, gerenciador de dados
de vôo), acesso a dados meteorológicos e cálculos de peso e
queima de combustível do
avião. Falam várias vezes sobre
"ler o livro" ou ter o livro, referências a manuais técnicos.
São justamente essas questões que dominam a conversa
na cabine durante praticamente todo o período no qual ficaram sem se comunicar por rádio com o centro de Brasília.
Em fevereiro, a Folha publicou reportagem com trechos
da tradução dos diálogos dos
pilotos que foi entregue à Polícia Federal e revelou que os pilotos tiveram problemas com
equipamentos, como o FMS .
A Folha obteve agora a íntegra da transcrição original em
inglês feita pelo NTSB, que
identifica de quem são as vozes
citadas como Hot-1 e Hot-2 e
mostra que há imprecisões na
tradução já realizada.
A transcrição foi realizada
por investigadores do NTSB e
FAA, com participação da ExcelAire. Na capa, um aviso de
que trechos isolados ou fora de
contexto podem induzir a conclusões equivocadas.
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