São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

"Quem tem boca vai a Roma"


Sabe como é esse provérbio em espanhol? Lá vai: "Preguntando se llega a Roma". É preciso traduzir?

A INTERNET É UMA maravilha -e disso ninguém duvida, suponho. No entanto, se/quando é mal usada, não passa de uma grande bobagem. Uma das tantas provas disso é a livre circulação de textos "escritos" por Luis Fernando Verissimo, Arnaldo Jabor, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Luis Borges, Mário Quintana, Pasquale Cipro Neto etc.
Opa! Pasquale Cipro Neto sou eu! E, até prova em contrário, não fui informado de ser o "autor" de algumas bobagens que circulam por aí. Uma delas, que vem com o pomposo título "Direto do Professor Pascoale", promove uma verdadeira reviravolta em históricos provérbios, que ouvimos desde a tenra idade. A começar pelo nome do "autor" ("Pascoale" -meu nome é Pasquale), a bobagem é falsa, mais do que falsa.
Pois eu já tinha até me esquecido dessa sandice quando recebi, por e-mail, um texto em que se faz uma análise detida de cada um dos provérbios, cujo sentido é "explicado" com base nos meus "comentários". Dessa "explicação" decorre uma "correção" na forma dos provérbios.
Não fui atrás da autenticidade do tal texto, já que isso é secundário; o primordial é que a tal lista parece ter voltado a circular. E o pior: as pessoas acreditam piamente! Quando me param por aí ou me escrevem e me perguntam sobre a tal lista e digo que nunca a escrevi, espanto geral. "Mas como?! Está na internet!".
Isso me lembra algo como "Mas deu na televisão!", frase que confirma que as pessoas acham que, se deu na TV, é verdadeiro. Logo a TV, que virou o território da não notícia, da notícia-vaselina, com o mais do que intragável abuso, entre outros, do futuro do pretérito ("De acordo com a polícia, o ladrão teria entrado..." -ora, se a polícia diz que o ladrão entrou, não é preciso dizer "teria entrado" para fugir da responsabilidade pela veracidade da informação, já que quem escreve "De acordo com a polícia, o ladrão entrou pela porta..." não afirma ou informa que o ladrão entrou; afirma ou informa que a polícia diz que o ladrão entrou pela...).
Voltando à tal lista de "minha" autoria, nela se informa que o correto não é "Quem tem boca vai a Roma", mas "Quem tem boca vaia Roma" ("vaia", do verbo "vaiar"). A "explicação"? Lá vai uma delas: "Ou vai me dizer que você nunca vaiou Roma naqueles filmes históricos?" Outra: "No tempo do Império Romano, as pessoas vaiavam...". Melhor parar.
Só umas informaçõezinhas: sabe como é esse provérbio em espanhol? Lá vai: "Preguntando se llega a Roma". Não é preciso traduzir, é? Sabe como é em italiano? Lá vai: "Chi ha (la) lingua arriva a Roma" ("Quem tem [a] língua chega a Roma"). E que tal acrescentar a famosa frase "Todos os caminhos levam a Roma", que em inglês vira "All roads lead to Rome" e em italiano passa a "Tutte le strade portano a Roma"? Que tal?
Bem, a esta altura, alguém pode estar achando que os provérbios necessariamente se explicam pela lógica da frase, pela história da língua ou da humanidade, o que não é verdadeiro. Qual seria a explicação "lógica" para o dito "Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento"? Nenhuma, creio. E quem disse que isso é necessário ou fundamental? O fundamental, nesse caso, além do aspecto lúdico, sonoro, chistoso etc., é que quem tem um tostão de senso de abstração capta logo o sentido desse dito, por sinal muito parecido com o de outros, igualmente conhecidos ("As aparências enganam"; "Lobo em pele de cordeiro" etc.).
Devagar com o andor, pois. E com os julgamentos a respeito do que alguém (não) escreve ou pensa. É isso.


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