São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 2011

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BARBARA GANCIA

"Gente diferenciada"


Vale a pena ouvir o especialista novamente: "A integração é a única solução para as cidades"

ALÔ, GOVERNADOR ALCKMIN! Nosso time ganhou do Once Caldas, estamos com a mão na taça, dona Lu na santa paz, cunhadão em banho-maria, prefeito se afundando sozinho... Tudo azul para o seu lado, não é mesmo?
Pois então, o que o está impedindo de tocar as obras do metrô de que São Paulo tanto precisa e que o senhor conduz a passo de tartaruga?
Foram três gatos pingados fazer barulho em abaixo-assinado e isso serviu como desculpa para parar tudo mais uma vez, foi?
Em um mundo tão variado, tinha de haver 3.500 termocéfalos que não querem uma estação de metrô ao lado de casa. Vai ver que, por uma questão de gosto, eles também se posicionam contra a cura do câncer. O Taleban não proibiu a criançada de empinar pipa? Os wahabitas não detestam música? Não tem gente que come cocô? Pois então, há 3.500 seres em Higienópolis que não sabem o que estão perdendo ou que 93% dos londrinos andam de metrô e estão felizes da vida sem carro, estacionamento ou IPVA para pagar.
Tem também uma outra tropa de bucéfalos que quer declarar guerra a Higienópolis para acirrar o ódio que faz brasileiro cortar goela de brasileiro há cinco séculos.
E eu que pensei que uma das vantagens da liberdade de expressão fosse ver as pessoas certas se estrepando todas? Jair Bolsonaro virou símbolo de ódio e intolerância no país por dispor do verbo como bem entende. Agora foi a vez da mulher que não quer ser vizinha do metrô porque acha que a estação vai atrair "drogados, mendigos, camelôs e uma gente diferenciada".
Ela não precisa ser combatida com ocupação territorial na forma de uma churrascada de protesto organizada por gente "do bem", no próximo sábado, na frente do shopping Higienópolis. Isso só servirá para prejudicar os 55 mil moradores do bairro, 51.500 dos quais nada tiveram a ver com o abaixo-assinado. Ou para gratificar a molecada que pretende ir lá gritar: "Abaixo os ricos!" no intervalo entre uma comprinha e outra no shopping.
Prefiro usar a polêmica para responsabilizar o poder público pela lentidão da construção do metrô de São Paulo. Tirando os 3.500 altruístas que assinaram o pedido para a não construção da estação, não há muitos outros paulistanos que discordem: os atrasos nas obras ocorridos até hoje não podem mais ser tolerados.
E já que estamos aqui, vale a pena ler de novo um trecho da entrevista concedida ao dileto colega Mario Cesar Carvalho (por sinal, morador de Higienópolis e democrata) pelo arquiteto Richard Rogers, cocriador do Beaubourg e por muitos anos chefe da Comissão de Urbanismo de Londres, que esteve em São Paulo há pouco mais de mês:
"A integração é a única solução para as cidades. Em Londres, não temos favelas. Mas temos pessoas vivendo em habitações sociais, que são subsidiadas pelo governo. São prédios privados, nos quais o governo pode colocar pessoas pobres na porta ao lado de alguém muito rico. Uma área só para ricos contraria a ideia de cidade.
O que fazer quando ricos não querem pobres ao lado?
O sistema londrino obriga bairros ricos a terem habitações sociais. Esse tipo de sistema já é aplicado na Holanda, na Dinamarca e na Suécia. É preciso criar leis para ter essa integração. O problema de pobres e ricos no Brasil é igual ao que existia entre brancos e negros nos Estados Unidos. Cidades não podem ter guetos, seja para negros ou pobres".

barbara@uol.com.br

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@barbaragancia



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