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São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 2003

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MENOR INFRATOR

Internos relatam supostas sessões de afogamento e golpes em articulações com o fim de não deixar marca

Febem "recicla" métodos de tortura, diz Promotoria

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Depoimentos de internos da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) e de mães, feitos à Promotoria da Infância e Juventude nos últimos 30 dias, apontam suposta prática de sessões de tortura por afogamento em unidades da fundação.
A nova prática faria parte do que os promotores chamam de "reciclagem" de métodos de tortura, com o objetivo de evitar marcas que comprovem eventuais agressões.
Além de supostos afogamentos, internos também estariam sendo alvo de golpes nas articulações, principalmente nos cotovelos e nos joelhos.
"Alguns funcionários têm uma criatividade muito grande para evitar hematomas que possam identificar o espancamento. A gente começa a pegar um método e eles vêm com outro", afirmou a promotora Sueli Barrios.
As supostas novas práticas formam uma longa lista de métodos para evitar marcas que já foram investigados. Entre eles, o uso das chaves das celas para torcer dedos e a utilização de panos para envolver cassetetes e correntes. Segundo promotores e entidades de direitos humanos, também seriam comuns os banhos gelados para amenizar hematomas.
A suposta preocupação em evitar marcas seria, segundo a Promotoria, motivada por denúncias feitas nos últimos anos. Desde 2001, há sete processos em andamento na Justiça, nos quais 98 agentes e ex-funcionários são acusados de tortura. Desse grupo, 14 pessoas que pertenciam à extinta unidade de Parelheiros tiveram a prisão preventiva decretada por tortura e formação de quadrilha. Três estão na cadeia, e as demais, foragidas.
Por quatro vezes desde 1999, promotores, juízes e representantes de entidades encontraram em unidades da Febem grande quantidade de objetos que supostamente seriam usados para torturar internos.
No inquérito aberto para investigar sessões de afogamento já foram ouvidos pelo menos dez internos das unidades 30 e 31 da Febem de Franco da Rocha, na Grande São Paulo. Novos relatos foram colhidos na visita feita por OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), associação de mães e Anistia Internacional na unidade 30, na semana passada.
Em todos os depoimentos, a mesma versão: um grupo de 20 a 30 funcionários entraria na cela, colocaria todos os internos de joelhos e escolheria um para começar a sessão de tortura. Os supostos afogamentos ocorreriam na pia da cela ou em grandes caixotes de plástico usados para transportar as marmitas.
"No final, os funcionários ainda dizem que a gente não vai poder fazer nada porque afogamento não deixa marcas", narrou o interno G., 18. "Não adianta nem pedir exame de corpo de delito para esses casos. Mas depoimentos iguais, com mesmos detalhes, são uma prova forte", disse o promotor Enilson Komono.
Em relação às lesões nos cotovelos e joelhos, laudos feitos pela Secretaria Estadual da Saúde na unidade 30, no mês passado, confirmariam essa prática, segundo o promotor Wilson Tafner.
Dos 42 internos que apresentaram lesões, 14 tinham ferimentos nos cotovelos e joelhos. "São regiões que doem muito, incham, mas não deixam hematomas que indiquem claramente que houve espancamento", afirmou Tafner.


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