São Paulo, sábado, 13 de junho de 2009

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WALTER CENEVIVA

Afirmar o óbito na tragédia


A lei assegura o direito das famílias das vítimas do voo da Air France e respeita os seus sentimentos. É sábia.


A FOLHA NOTICIOU A possibilidade de mais uma causa de dor para as famílias dos que pereceram no voo da Air France, no oceano Atlântico. Talvez o DNA de algumas vítimas tenha sido alterado, por causa de longa permanência no mar. Se for confirmado, o elemento básico de identificação foi perdido, embora outros elementos devam ser verificados. Nesse aspecto, a lei brasileira é sábia. Venho tratando do tema há muitos anos, em meu livro "Lei dos Registros Públicos Comentada" (Saraiva), cuja 19ª edição saiu neste ano.
A solução está no artigo 88 da lei nº 6.015, de 1973. O artigo é claro. Aplica-se a todos os casos de desaparecimento em acidente, o que inclui, entre outras espécies, a da destruição do Airbus A330-220, da empresa francesa. O artigo 88 diz o seguinte: "Poderão os juízes togados admitir justificação para o assento de óbito de pessoas desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar-se o cadáver para exame".
Na realidade, a permissão legal é até mais ampla, pois o parágrafo único do artigo admite a mesma justificação "no caso de desaparecimento em campanha", ou seja, em combate, quando haja fatos que convençam o juiz da ocorrência da morte.
A expressão "juiz togado" não deve confundir o leitor, ao lembrar que todos os magistrados têm toga. A lei restringiu a permissão do reconhecimento a juízes vitaliciados. Na Constituição de 1988, o ingresso na magistratura exige aprovação em concurso, sendo adquirida a vitaliciedade, no cargo em primeiro grau da carreira, após dois anos.
Nesse período inicial, o juiz é apenas substituto. Pode perder o cargo por deliberação do tribunal ao qual estiver vinculado (artigo 95, inciso I da Carta Magna). A exigência do juiz vitaliciado se explica com as consequências da morte certificada, desde os direitos hereditários até questões relativas à paternidade e ao estado de viuvez do cônjuge sobrevivente, entre outros eventos.
A justificação é desenvolvida, perante o juiz, na forma do Código de Processo Civil (artigos 861 a 866). O interessado em demonstrar a morte, para possibilitar o assentamento do óbito no registro civil de pessoas desaparecidas ou não identificáveis, afirmará seu direito e comprovará, por meios legais e moralmente legítimos, ao menos três fatos: a ocorrência da catástrofe; a presença da pessoa no local do desastre; e a impossibilidade de encontrar o cadáver para exame.
É o caso do Airbus: o juiz exigirá comprovação de que a vítima estava no avião, ainda que o corpo não seja encontrado ou tiver identificação impossibilitada em consequência dos danos sofridos.
Manifestei, no livro referido, meu entendimento de que pode pedir justificação, para o fim previsto, qualquer pessoa que por laço de parentesco, de casamento, de união estável ou de negócios comprove interesse e legitimidade.
A competência do juiz brasileiro, em relação a pessoa nascida neste país, é reconhecida, mesmo sendo o voo 447, em avião francês, fora das fronteiras nacionais. O juiz competente para a justificação é o do domicílio da vítima. A lei assegura o direito das famílias e respeita seus sentimentos. É sábia.


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