São Paulo, sábado, 13 de julho de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Ideais persistentes na Constituição emendada

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O Brasil tem uma Constituição "patchwork". Tenho de recolher a palavra do idioma inglês porque significa um conjunto de pedacinhos de tecido costurados uns aos outros. Não corresponde à tradução literal (colcha de retalhos), mas tem no "Webster" sentido figurado de mixórdia, miscelânea, trabalho malfeito, termos que servem para certas emendas da Carta Magna.
Mesmo com defeitos criticados, a Constituição de 1988 correspondeu a documento verdadeiramente democrático, que assegurou os direitos dos cidadãos contra o Estado (que os havia afrontado nos anos precedentes). Quando nos aproximamos da 40ª emenda no plano constitucional e atingimos milhares de medidas ditas provisórias (mas providas de diversos tipos de permanência), verifica-se que o universo jurídico brasileiro está mais confuso que um cego na praça da Sé em dia de tiroteio.
Nesse quadro, há que tirar o chapéu para a Carta de Campos do Jordão, editada no Primeiro Congresso de Direito Constitucional da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (ABCD). Nela vem reafirmado o compromisso "com a eficácia social da Constituição", em sua qualidade de "instrumento de transformação democrática, especialmente no que respeita à realização dos objetivos fundamentais da República (artigo 3º), que se mantiveram firmes no objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária, entre outros fins".
Também preocupou os participantes o tema da "promoção e fortalecimento dos instrumentos e instituições destinados a assegurar o efetivo acesso à Justiça". Efetivo acesso não é compatível com custo elevado e demora de julgamento. Mesmo os juizados especiais, de procedimento simplificado, têm competência restrita, excluindo questões de interesse do poder público, falimentares e de família. As matérias familiares têm sua inclusão prevista em bom anteprojeto de lei da ministra Fátima Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, destinado a melhorar e apressar seu exame.
Os participantes do congresso da ABCD, sob a presidência de José Afonso da Silva, anteciparam as mesmas preocupações que levaram a Associação Nacional de Jornais a promover debates sobre o acesso a informações públicas em junho e no começo desta semana. Os congressistas de Campos do Jordão reforçaram a "exigência de submissão das condutas dos agentes públicos aos princípios da moralidade e transparência, com imposição de integral respeito à ordem constitucional democrática, [a" afirmação da cidadania e [o" fortalecimento dos meios de participação e de controle popular das ações governamentais e políticas públicas". Apesar da liberdade de imprensa, é bem evidente que os governantes não cumprem o dever de informar plena e claramente suas condutas, tanto que se servem de subterfúgios os mais diversos para fugirem a suas responsabilidades, como acontece no reiterado calote aplicado aos seus credores apesar das exigências constitucionais.
Os participantes do congresso defenderam a "implementação de políticas e medidas econômicas que efetivem o princípio da dignidade da pessoa humana", sumariando muitas das preocupações da sociedade brasileira. Entre elas a constatação de que vêm sendo ampliadas as faixas de populações de baixa renda, de que não se conseguiu melhorar as condições de acesso à escola e permanência nela até, pelo menos, o nível médio e de que as condições da vida urbana se agravam com o desemprego ou subemprego, causas ampliadoras da violência. Coisas e fatos que transcendem do jurídico.



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