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LETRAS JURÍDICAS
Ideais persistentes na Constituição emendada
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O Brasil tem uma Constituição "patchwork". Tenho de recolher a palavra do idioma inglês porque significa um
conjunto de pedacinhos de tecido
costurados uns aos outros. Não
corresponde à tradução literal
(colcha de retalhos), mas tem no
"Webster" sentido figurado de
mixórdia, miscelânea, trabalho
malfeito, termos que servem para
certas emendas da Carta Magna.
Mesmo com defeitos criticados,
a Constituição de 1988 correspondeu a documento verdadeiramente democrático, que assegurou os direitos dos cidadãos contra o Estado (que os havia afrontado nos anos precedentes).
Quando nos aproximamos da 40ª
emenda no plano constitucional e
atingimos milhares de medidas
ditas provisórias (mas providas
de diversos tipos de permanência), verifica-se que o universo jurídico brasileiro está mais confuso
que um cego na praça da Sé em
dia de tiroteio.
Nesse quadro, há que tirar o
chapéu para a Carta de Campos
do Jordão, editada no Primeiro
Congresso de Direito Constitucional da Associação Brasileira de
Constitucionalistas Democratas
(ABCD). Nela vem reafirmado o
compromisso "com a eficácia social da Constituição", em sua
qualidade de "instrumento de
transformação democrática, especialmente no que respeita à
realização dos objetivos fundamentais da República (artigo 3º),
que se mantiveram firmes no objetivo de construir uma sociedade
livre, justa e solidária, entre outros fins".
Também preocupou os participantes o tema da "promoção e
fortalecimento dos instrumentos
e instituições destinados a assegurar o efetivo acesso à Justiça". Efetivo acesso não é compatível com
custo elevado e demora de julgamento. Mesmo os juizados especiais, de procedimento simplificado, têm competência restrita, excluindo questões de interesse do
poder público, falimentares e de
família. As matérias familiares
têm sua inclusão prevista em bom
anteprojeto de lei da ministra Fátima Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, destinado a melhorar e apressar seu exame.
Os participantes do congresso
da ABCD, sob a presidência de José Afonso da Silva, anteciparam
as mesmas preocupações que levaram a Associação Nacional de
Jornais a promover debates sobre
o acesso a informações públicas
em junho e no começo desta semana. Os congressistas de Campos do Jordão reforçaram a "exigência de submissão das condutas dos agentes públicos aos princípios da moralidade e transparência, com imposição de integral
respeito à ordem constitucional
democrática, [a" afirmação da cidadania e [o" fortalecimento dos
meios de participação e de controle popular das ações governamentais e políticas públicas".
Apesar da liberdade de imprensa,
é bem evidente que os governantes não cumprem o dever de informar plena e claramente suas condutas, tanto que se servem de subterfúgios os mais diversos para fugirem a suas responsabilidades,
como acontece no reiterado calote aplicado aos seus credores apesar das exigências constitucionais.
Os participantes do congresso
defenderam a "implementação
de políticas e medidas econômicas que efetivem o princípio da
dignidade da pessoa humana",
sumariando muitas das preocupações da sociedade brasileira.
Entre elas a constatação de que
vêm sendo ampliadas as faixas de
populações de baixa renda, de
que não se conseguiu melhorar as
condições de acesso à escola e permanência nela até, pelo menos, o
nível médio e de que as condições
da vida urbana se agravam com o
desemprego ou subemprego, causas ampliadoras da violência.
Coisas e fatos que transcendem
do jurídico.
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