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São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

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ENTREVISTA

Tese mostra que questão racial aumenta exposição a efeitos da Aids

Negra é mais "vulnerável", diz bióloga

DA REPORTAGEM LOCAL

Autora de uma tese de doutorado que compara a situação de mulheres negras e não-negras com Aids, a bióloga Fernanda Lopes, 29, afirma que o acompanhamento médico tem de levar em conta a questão racial. "A uniformidade [de tratamento dos grupos] significa a desigualdade."
Em um trabalho que durou seis meses, Lopes ouviu 1.068 mulheres contaminadas com o vírus HIV, atendidas por três serviços públicos de referência no Estado. Os grupos foram divididos em 542 negras e 526 não-negras.
De acordo com ela, a combinação de fatores sociais -como escolaridade e renda mais baixas- com a questão racial torna as mulheres negras mais expostas aos efeitos da doença.
Para Lopes, os serviços de tratamento da doença não podem ignorar que elas são integrantes de "um grupo que historicamente é excluído e acumulou desvantagens". Leia a seguir a entrevista.

Folha - Sua tese de doutorado diz que as mulheres negras estão mais "vulneráveis". Como isso se traduz na vida delas?
Fernanda Lopes -
Você pode falar que uma pessoa é vulnerável quando ela tem um conjunto de situações que aumentam a sua possibilidade de adoecimento. Ou, ao mesmo tempo, essa pessoa tem consciência do problema, mas não tem possibilidades de elaborar estratégias de enfrentar esse problema ou de manter as já elaboradas. A dificuldade de comunicação, a dificuldade de decidir, de tomar a iniciativa por métodos protetores, seja no uso de drogas injetáveis, seja na relação social. As mulheres negras estão mais sujeitas a essas situações de desvantagem.

Folha - A escolaridade e a renda mais baixas são cruciais para explicar as diferenças?
Lopes -
São importantes, mas não suficientes.

Folha - O que mais explica essa vulnerabilidade então?
Lopes -
A dificuldade e a falta de informação precisa e adequada. Também contribui a impossibilidade de discutir métodos protetores e de implementar na sua vida.
Em famílias grandes, as mulheres normalmente assumem um cuidado com o outro que é prioritário, e o cuidado com si próprias é secundário. Para as mulheres negras, isso ficou muito mais marcado que para as não-negras, que também vivem essas situações. A pobreza determina a vulnerabilidade, mas ela sozinha não é suficiente para explicar isso porque a vulnerabilidade se constrói nas relações.

Folha - O tratamento desses serviços de saúde é diferente em relação a negras e a não-negras ou a falha está justamente no fato de ser igual com todas elas?
Lopes -
A uniformidade é a injustiça. É importante para os programas de saúde que a questão racial seja dimensionada e que essas mulheres sejam vistas como integrantes de um grupo que historicamente é excluído e acumulou desvantagens. Nesse momento em que estão se servindo daquele equipamento social, elas não vão deixar de ser aquilo que elas foram na história.
O risco de reinfecção ou de adoecimento por Aids é posterior à vulnerabilidade a que essas mulheres estiveram submetidas em vários períodos da sua vida.


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