São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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Motorista com síndrome do "pavio curto" vai para o divã

Hospital das Clínicas de SP vai atender descontrolados com foco em trânsito

Segundo especialista, descontrole faz motoristas tentarem matar, machucar, intimidar pessoas ou até destruir carros alheios


Márcio Soares - 17.jun.08/Folha Imagem
Após incidente no trânsito, motorista da caminhonete desce com um facão para intimidar o outro motorista, que também se arma com porrete

WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os telefones do Ambulatório de Transtornos do Impulso de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo não param de tocar desde que foram abertas as inscrições para o grupo que vai tratar pessoas com "pavio curto", ou TEI (Transtorno Explosivo Intermitente).
Um sinal de que talvez elas precisem mesmo de ajuda: "quando finalmente atendidas, elas dizem que estavam a ponto de jogar o telefone na parede", diz a psicóloga Maria Christina Lahr, que coordena o grupo.
Eles terão tratamento psicológico; se preciso, medicamentos -tudo para controlar a raiva; pois "não conseguem gerenciar emoções negativas, brigam na família, no trabalho e, claro, no trânsito", diz Lahr, que faz um estudo paralelo só sobre o TEI entre motoristas e espera criar um grupo só para eles.
"Se ele é fechado, acha a atitude hostil, crê que todos estão ali para agredi-lo." O resultado é que "o motorista tenta matar, machucar ou intimidar o pedestre ou outro motorista ou tenta destruir seu carro."
De sua poltrona no escritório de interior verde-água cheirando a chá de erva-doce em uma rua tranqüila da Pompéia, Lahr lê um artigo com a descrição de um ato de fúria típico do TEI.
"O sujeito está andando em uma rodovia, quando uma mulher incauta fecha o carro dele; ele fica tão furioso que persegue a mulher, mas não quer só emparelhar o carro e xingar -quer fechá-la, fazê-la parar, tirá-la de dentro do carro e agredi-la fisicamente; não contente, tenta destruir algo que ela tem, pega seu cachorrinho e joga na pista; por fim, pega uma chave e destrói o carro dela."
Nunca se sabe a que ponto vai chegar a raiva. A ceramista Ana Glaura Baptista, 48, que o diga. Estava na av. Rebouças às 18h, no "pára e anda" só percebeu que seu carro não dava espaço para os motoqueiros quando um deles veio com baú e tudo, viu que não passaria entre os carros, freou, foi atingindo por outro e caiu no chão.
"E aí ficou possuído, completamente "endemoninhado", catou o capacete e bateu no vidro traseiro da Picasso", conta. "Os motoqueiros foram rodeando. E ele, não contente, voltou e quebrou o vidro. Fiquei apavorada, achei que ia entrar no carro e me pegar." Aos prantos, foi embora. Desde então, sempre deixa "espaço para a moto"

Asfalto selvagem
A cada ano, morrem no Brasil cerca de 35 mil pessoas por causa do trânsito, segundo a Organização dos Estados Ibero-Americanos; mais de mil só em São Paulo, onde a CET registra recordes de até 266 km de congestionamentos em que 6 milhões de veículos se arrastam nos horários de pico.
Cenário ideal para casos de barbárie como o ocorrido em maio com o estudante Alexandre Reyes, 18, na zona sul de São Paulo, quando voltava de uma festa, de carona. Um carro parou, o outro freou, houve discussão e Reyes, que era o carona, levou um tiro e morreu.
Um dia depois, um pedestre no Rio foi agredido na cabeça com uma barra de ferro, após uma discussão no trânsito. André Lima, 45, atravessava a rua com os dois filhos quando Itamar Paiva teria avançado o sinal. Esse nega, há controvérsias nas versões, mas Lima sofreu um traumatismo craniano.
Por isso, os especialistas insistem que se evite entrar em discussões no trânsito. "Você não sabe quem é, se está armado, em um contexto de estresse ou se vai descarregar a culpa em cima de você."


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