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GILBERTO DIMENSTEIN
Ignorância tem sexo
Desde que nasceram, em
1972, até agora, 992 homens
e mulheres são acompanhados
por psiquiatras, interessados em
descobrir a relação entre distúrbios mentais e sexualidade.
Depois de mais de duas décadas
de observação, os cientistas detectaram que comportamentos sexuais de risco e excesso de parceiros estão associados a ansiedade e
sintomas de depressão -dois distúrbios comuns, ligados ao abuso
de drogas.
Não por acaso se vê, entre jovens psicologicamente alterados,
a associação de sexo de risco e
drogas, num círculo vicioso.
Realizada na Nova Zelândia, a
pesquisa ganhou dimensões internacionais ao ser divulgada este
mês na prestigiada revista "British Medical Journal".
Os excessos sexuais saem, assim,
da órbita moral, movida a desinformação e preconceito, para o
campo da saúde pública.
Abrem-se novos caminhos para
lidar com jovens que, no Brasil,
ainda transam com extrema frequência sem preservativos, aos
centenas de milhares se expõem a
doenças sexualmente transmissíveis e ajudam a alimentar a estatística tenebrosa da gravidez precoce -e não oferecem, hoje, Dia
dos Pais, motivo algum para comemoração a milhões de brasileiros.
A relação entre sexo e ansiedade
ou sintomas de depressão informa com clareza como centenas de
milhares de pessoas são vítimas
da incompreensão -mais precisamente da ignorância, a começar das famílias e, depois, das escolas. São julgadas moralmente,
quando deveriam ser amparadas,
encaminhadas e, muitas vezes,
medicadas.
Professor no Instituto de Psiquiatria da USP, André Malbergier, pesquisador sobre drogas e
problemas mentais, afirma que,
por desinformação, a sociedade
tem uma visão deturpada do distúrbio mental. É o analfabetismo
psicológico.
O desequilibrado seria o "maluco", prestes a ser internado, imobilizado numa camisa de força ou
um ser incomunicável, sem chance de produtividade.
Segundo Malbergier, até mesmo médicos, por falta de formação, não conseguem perceber sintomas de depressão ou ansiedade
em seus pacientes.
"É um massacre", resume.
Massacre porque, segundo ele,
até 40% da população sofre, em
algum nível, de algum distúrbio a
ser acompanhado para evitar
complicações. Raras, raríssimas
escolas, estão preparadas para
acolher alunos com desvios de
comportamento; na esfera pública, contam-se nos dedos.
O analfabetismo psicológico
ajuda a entender, em boa parte, o
abuso de drogas, de sexo de risco
e, claro, de violência.
Uma parcela considerável de estudantes tem dificuldade de
aprendizado por problemas elementares de visão e audição -e,
mesmo assim, passam anos sem
que ninguém os ajude.
Se perceber problemas de audição já é difícil, imagine distúrbios
psicológicos como déficit de atenção e hiperatividade.
Educadores sabem, hoje, que,
muitas vezes, crianças ansiosas,
vítimas de um medo crônico, são
dispersivas, desenvolvem baixa
auto-estima -e o aprendizado se
transforma num inferno.
Quem viveu o problema de falta
de concentração (este colunista,
por exemplo) e foi condenado,
acusado de ser preguiçoso ou displicente, sabe como o analfabetismo psicológico é perverso.
Um grupo de psiquiatras em
São Paulo passou três meses fazendo testes numa escola pública.
Detectou 20% dos alunos com
sintomas de depressão. Daí para
álcool e drogas é apenas um pulo.
Mais um grau do analfabetismo
psicológico. Pouquíssimas pessoas
sabem ainda como é vital repensar a formação da criança, encarando como prioridade a fase de 0
a 3 anos -tema de um seminário, esta semana, em Brasília, com
autoridades nacionais e internacionais, convocado pelo Comunidade Solidária.
As mais recentes pesquisas, facilitadas por novos mecanismos para fotografar o cérebro, informam
que, nessa fase, determina-se em
larga medida a chance de prosperidade intelectual de um indivíduo. Determina-se até mesmo o
QI, como se o cérebro fosse um
músculo a ser exercitado e estimulado.
Sinal do analfabetismo psicológico é que a exigência por mais e
melhores creches não faz parte da
agenda de nenhum partido e de
quase nenhum candidato.
Leia as agendas dos candidatos
a prefeito e veja quantos colocam,
no topo de seus programas educacionais, o tema das creches. Não
vi, até agora, nenhum.
O problema do analfabetismo
psicológico é que ele não distingue sexo, classe social e nível educacional.
PS- O leitor pode ler um material sobre sexualidade, drogas e
doenças mentais, inclusive com
testes preparados por psiquiatras,
em meu site: www.dimenstein.com.br.
Sugestão desta coluna: os cursos
de formação de professores deveriam dar mais atenção ao analfabetismo psicológico, ensinando a
detectar distúrbios básicos como
hiperatividade, déficit de atenção
e sintomas de depressão e ansiedade.
Já ajudaria a evitar um grande
estrago.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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