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Em tese de doutorado,
suíço analisa "bricolagem"
dos moradores de rua
Marlene Bergamo/Folha Imagem
![](../images/c1308200601.jpg) |
Moradora de rua Fernanda, 26, faz comida em lata de óleo |
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
O caixote de madeira vira
berço, carrinho de mão, armário, banco e mesa. A garrafa Pet, uma tigela ou um
funil, dependendo do lado. A
lata de óleo converte-se em
diferentes modelos de fogão,
e o colchão velho, em teto do
barraco. A maneira como
moradores de rua de São
Paulo criam seus modos de
habitar, transformando o lixo em utensílios domésticos,
resultou em uma tese de
doutorado do artista plástico
suíço Christian Kasper, na
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Kasper chama os "inventos" dos moradores de bricolagem, que, em francês ("bricolage"), quer dizer as pequenas obras que o habitante faz a fim de manter ou melhorar sua casa. "Me chamou
a atenção a técnica improvisada, adaptada às circunstâncias. É um processo muito criativo", diz o artista.
Há nove anos no Brasil,
Kasper passou quase dois estudando a cultura material
da rua. A tese descreve também como os moradores
constroem malocas sustentadas em pilastras e debaixo
de carroças, também usadas
para carregar o seu principal
ganha-pão: o lixo reciclável.
Na construção dos abrigos, segundo ele, é comum o
uso de colchões para cobrir o
barraco. "É basicamente
uma cama coberta, um gênero de cama de dossel."
Ele mostra como se faz fogões de uma ou duas bocas
usando latas de óleo de 20 litros, aproveitando as latas
menores para o cozimento.
Kasper estima que tenha
caminhado cerca de 1.000
km observando a região do
centro expandido. "É impressionante a forma de inventar dessas pessoas. Não
deixa de ser uma forma de
resistir ao extermínio", diz.
O artista afirma que um
lugar chamou sua atenção: a
"ilha dos caixotes", uma área
do parque Dom Pedro em
que moradores que vivem
dos caixotes recolhidos no
mercado e nos restaurantes.
"O caixote é consertado e
renegociado. Serve de sustentação do abrigo, vira cama, armário, banco, mesa,
combustível de fogão e da fogueira", conta Kasper.
Foi numa lata de óleo que
Fernanda, 26, fazia arroz
com miúdos de frango na última quinta, quando a Folha
visitou as ruas. Seria comida
para 40 pessoas que vivem
sob o Minhocão. "Aqui é
uma espécie de praça de alimentação. Eles vêm, comem
e voltam para as suas malocas", diz ela, loura, olhos verdes, há um ano na rua.
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