São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2006

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Em tese de doutorado, suíço analisa "bricolagem" dos moradores de rua

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Moradora de rua Fernanda, 26, faz comida em lata de óleo


CLÁUDIA COLLUCCI

DA REPORTAGEM LOCAL

O caixote de madeira vira berço, carrinho de mão, armário, banco e mesa. A garrafa Pet, uma tigela ou um funil, dependendo do lado. A lata de óleo converte-se em diferentes modelos de fogão, e o colchão velho, em teto do barraco. A maneira como moradores de rua de São Paulo criam seus modos de habitar, transformando o lixo em utensílios domésticos, resultou em uma tese de doutorado do artista plástico suíço Christian Kasper, na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Kasper chama os "inventos" dos moradores de bricolagem, que, em francês ("bricolage"), quer dizer as pequenas obras que o habitante faz a fim de manter ou melhorar sua casa. "Me chamou a atenção a técnica improvisada, adaptada às circunstâncias. É um processo muito criativo", diz o artista.
Há nove anos no Brasil, Kasper passou quase dois estudando a cultura material da rua. A tese descreve também como os moradores constroem malocas sustentadas em pilastras e debaixo de carroças, também usadas para carregar o seu principal ganha-pão: o lixo reciclável.
Na construção dos abrigos, segundo ele, é comum o uso de colchões para cobrir o barraco. "É basicamente uma cama coberta, um gênero de cama de dossel."
Ele mostra como se faz fogões de uma ou duas bocas usando latas de óleo de 20 litros, aproveitando as latas menores para o cozimento.
Kasper estima que tenha caminhado cerca de 1.000 km observando a região do centro expandido. "É impressionante a forma de inventar dessas pessoas. Não deixa de ser uma forma de resistir ao extermínio", diz.
O artista afirma que um lugar chamou sua atenção: a "ilha dos caixotes", uma área do parque Dom Pedro em que moradores que vivem dos caixotes recolhidos no mercado e nos restaurantes.
"O caixote é consertado e renegociado. Serve de sustentação do abrigo, vira cama, armário, banco, mesa, combustível de fogão e da fogueira", conta Kasper.
Foi numa lata de óleo que Fernanda, 26, fazia arroz com miúdos de frango na última quinta, quando a Folha visitou as ruas. Seria comida para 40 pessoas que vivem sob o Minhocão. "Aqui é uma espécie de praça de alimentação. Eles vêm, comem e voltam para as suas malocas", diz ela, loura, olhos verdes, há um ano na rua.


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