São Paulo, quarta-feira, 13 de setembro de 2000

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DIREITOS HUMANOS
No último dia de visita ao país, relator da organização afirma ter sido enganado pelas autoridades paulistas
Falta determinação contra tortura, diz ONU

Evelson de Freitas/Folha Imagem
Preso em cela do 2º DP, em São Paulo, considerado por Nigel Rodley o pior lugar que ele visitou no Brasil


MALU GASPAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Falta de vontade política e impunidade. No diagnóstico do relator do Comitê contra a Tortura da ONU (Organização das Nações Unidas), Nigel Rodley, essas são as principais causas para a disseminação da tortura nos estabelecimentos prisionais do Brasil. A situação foi descrita por ele como "apavorante", no último dia de sua visita ao país.
Depois de um périplo por São Paulo, Rio, Minas Gerais, Pernambuco e Pará -os locais considerados críticos pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e pelas ONGs que o assessoraram-, Rodley afirmou que o que viu no país foi "muito pior" do que esperava. "Hoje, sim, eu posso dizer que o que eu sabia quando cheguei era a penas a ponta do iceberg", disse.
Rodley concluiu que o problema no Brasil não são apenas as "condições subumanas" em que vivem os presos e internos de instituições como a Febem, mas também "o comportamento violento, arbitrário e corrupto de muitos dos agentes ou guardas dessas instituições".
Na opinião do representante da ONU, a legislação brasileira favorece a impunidade, por dar "amplos poderes aos agentes policiais sem que sejam controlados por outras autoridades".
Rodley afirmou que só deverá apresentar seu relatório final, com um capítulo sobre o Brasil, em seis meses. No entanto, diz ter poucas dúvidas de que as situações contadas pelos presos com quem conversou são verídicas.
"A coincidência dos testemunhos deixa muito pouco espaço para dúvidas. Mas, se cada caso fosse julgado, ficaria a palavra do preso contra a da autoridade. O que falta é vontade política de realmente descobrir a verdade."
Um exemplo claro do que diz é, segundo ele, o que aconteceu durante sua visita à unidade da Febem de Franco da Rocha (Grande São Paulo), onde encontrou porretes de pau e de ferro dentro da sala dos monitores. Com base no depoimento de internos, denunciou maus-tratos na instituição. Resultado: os menores disseram que foram torturados novamente.
Ontem, sua insatisfação era visível. Afirmou ter sido enganado pelas autoridades paulistas, que teriam dito que os dirigentes da Febem já haviam sido afastados: "Na verdade, quem foi transferido foram os próprios internos que denunciaram a tortura. E acabaram escapando dessa instituição. É claro que agora eles não vão poder mais servir como testemunhas contra seus torturadores".
O britânico, que há mais de dez anos visita países para investigar a tortura, chegou a se emocionar quando falou sobre um preso que encontrou no Rio, ferido depois de ser torturado por policiais.
"Não quero entrar em detalhes sobre o estado em que estava. Ele havia chegado ao presídio de noite. Quando o viu, um dos policiais da manhã chegou a chorar", disse com olhos cheios de lágrimas.
Para o relator da ONU, o pior lugar que ele visitou foi o 2º DP, no centro de São Paulo, onde os presos ficam antes de serem conduzidos a júri. "E olha que eu estive lá no dia mais limpo. As condições ali eram feitas para eles não aparecerem no tribunal como pessoas, mas como animais fedorentos e perigosos."
Rodley sorriu quando lhe perguntaram se achava que o governo brasileiro só havia demonstrado preocupação com a questão depois de sua visita.
Na verdade, a própria visita foi negociada diretamente entre o governo brasileiro e a diretora do alto comissariado para os Direitos Humanos da ONU, Mary Robinson. "Acho que essa visita, na verdade, funcionou como um catalizador de algumas atitudes. Mas, se é assim, melhor ainda. Espero que a impunidade acabe", afirmou Nigel Rodley.


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