São Paulo, segunda-feira, 13 de setembro de 2004

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TRÂNSITO SELVAGEM

População acima de 60 anos morre 60% mais em acidentes de trânsito e anda metade da média em SP
Idoso sai menos, mas se acidenta mais

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Beatriz de Sampaio Leite segura retrato de sua mãe (à direita na foto), que morreu em 2000, após ficar em coma por dois anos em razão de um acidente de trânsito


ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 69 anos, com um trabalho ativo para uma entidade filantrópica, Marília de Sampaio Leite saiu de casa para assistir a uma palestra na av. Nazaré Paulista, em Alto de Pinheiros (zona oeste de São Paulo). Ao atravessar a via, na faixa de pedestres, foi atingida por um carro e bateu a cabeça na calçada. A condutora do veículo era uma conhecida dela do bairro. Tinha a mesma idade da vítima.
"Era final de tarde, mas ainda não havia escurecido. A motorista não estava em alta velocidade. Só tinha pressa para ir ao teatro", conta Beatriz de Sampaio Leite, 52, sobre a colisão que resultou na hospitalização de sua mãe em 1998 e na morte dela em 2000, depois de dois anos em coma.
O acidente de que Sampaio Leite foi vítima poderia ser considerado inusitado pelo fato de não haver flagrantes situações de risco -como alta velocidade do motorista, imprudência do pedestre ou condição precária de iluminação.
Tem de habitual, porém, a idade das pessoas que se envolveram: tanto quem dirigia como quem atravessava a rua eram idosas.
A população com 60 anos ou mais é a que proporcionalmente mais morre em acidentes de trânsito na capital paulista, na comparação com crianças/jovens ou adultos. A estatística chama mais a atenção porque esse grupo tem mobilidade reduzida - faz metade da média de deslocamentos dos demais adultos, ou seja, sai menos às ruas.
Um estudo concluído em 2004 pela Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), com base em informações de 2000 a 2002, mostra que a população idosa têm um índice de 18,6 mortos em acidentes de trânsito por 100 mil habitantes, 60% maior que a média paulistana, de 11,6.
Se consideradas só as mulheres, a discrepância é ainda maior: 12,3 mortes de idosas por 100 mil habitantes, 156% superior à média de toda a população feminina de São Paulo (4,8 por 100 mil).

Preocupação
A mortalidade no trânsito da capital paulista está em queda desde a segunda metade dos anos 90 -em seis anos, já caiu 40%. O patamar atual não se distancia do de países desenvolvidos.
O indicador relativo aos idosos, entretanto, desperta a preocupação de especialistas por se aproximar do de países africanos (considerando todas as idades) e em razão da tendência de envelhecimento da população brasileira.
O maior envolvimento de idosos em acidentes é explicado tanto por fatores biológicos -perda de agilidade, reflexo e visibilidade- como pela falta de condições adequadas de mobilidade nas ruas e calçadas.
Ele se contrapõe ao fato de esse grupo cometer menos infrações no trânsito do que a média.
Essa situação é evidenciada principalmente com os pedestres.
Terezinha Abreu de Souza, 65, presidente do Conselho Municipal do Idoso, que quase foi atropelada na av. São João, no centro ("Fui atravessar, não deu tempo e tive que sair correndo"), conta que costuma pôr seus pés na faixa de pedestres somente quando a luz acabou de mudar de vermelho para verde. Se ela não consegue acompanhar a mudança do ciclo do semáforo, prefere esperar, mesmo que esteja verde.
Trata-se de uma estratégia para garantir que haverá tempo suficiente para a travessia.
"Os idosos só atravessam no chamado "verde fresquinho". É uma forma de sobreviver. Eles sabem que serão surpreendidos pelo vermelho piscante na metade do caminho, que os motoristas vão desrespeitar a lei e não vão esperar que eles terminem a travessia", afirma Eduardo Daros, 72, presidente da Abraspe (Associação Brasileira de Pedestres).
Daros passou por apuros quando não atravessou no "verde fresquinho". Estava na av. Morumbi (zona oeste) e ficou apavorado entre os carros. "Os motoristas ignoraram a minha presença na faixa de pedestres e deram partida. Só aquele que estava bem na minha frente ficou parado, não quis me atropelar. Não dava para eu ir nem para a frente nem para trás."
As condições arriscadas estimulam os idosos a sair menos de casa. Pesquisa Origem/Destino de 2002 do Metrô mostrou que cada idoso faz em média 1,27 viagem por dia, contra 2,68 na faixa etária de 30 a 39 anos e 2,11 da média da população. A pé, seu deslocamento (0,34/dia) se aproxima do de crianças de até três anos (0,30).

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