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PASQUALE CIPRO NETO
"Fico pretérito com você"
O pretérito mais-que-perfeito tem esse nome porque indica fato anterior ao expresso pelo perfeito
"FAMÍLIA MUDA-SE" é o nome de uma mais do que
recomendável peça teatral, escrita e dirigida por Odilon
Wagner. No belo texto (cujo argumento é do próprio Wagner e de Tânia Bondezan), há uma passagem
em que o hilariante Marco Antônio
(personagem interpretado por Márcio Ribeiro) diz a Fernanda (Tânia
Bondezan): "Às vezes eu fico pretérito com você". "Como?", pergunta
Fernanda, com ar de quem não entendeu a metáfora. "Fico mais que
passado", explica Marco Antônio. E
a platéia ri gostosamente, surpresa
com o desvendamento da charada.
Na verdade, a brincadeira se apóia
no valor específico de um dos três
pretéritos do modo indicativo (o
mais-que-perfeito), que tem esse
nome justamente porque expressa
fato passado anterior a outro, expresso pelo pretérito perfeito.
É bom que se diga que a palavra
"perfeito" nada mais é do que o particípio de "perfazer", que significa
"fazer completamente", "tornar
completo o número ou o valor de"
etc. Quando se diz, por exemplo, que
uma compra perfaz X reais, diz-se
que esse é o total da compra.
Posto isso, não é difícil entender
por que o pretérito perfeito tem o
nome que tem. O valor específico
desse tempo verbal é o de indicar
um processo passado totalmente
concluído ("Dona Canô Velloso nasceu em 16 de setembro de 1907").
Também não é difícil entender que
o pretérito mais-que-perfeito é
mais que perfeito justamente porque indica fato anterior ao que é
expresso pelo pretérito perfeito.
Grosso modo, o mais-que-perfeito é o "passado do passado", o "passado mais passado que outro" ou
coisa que o valha. Em "Quando ela
chegou, eu já resolvera o problema", a resolução é anterior à chegada. "Resolvera" é a forma simples do pretérito mais-que-perfeito de "resolver" (as formas compostas equivalentes são "tinha/havia resolvido"). Essa flexão expressa fato anterior ao indicado por
"cheguei", do pretérito perfeito.
Bem, já que falamos tanto de
pretérito, que tal saber que essa palavra é da mesma família de... Já sabe? Pois vou dar uma dica: quando
alguém diz algo como "Não quero
me meter na sua vida, mas...", acaba de fazer o que disse que não ia
fazer, certo? Pois essa é a figura da
preterição, palavra que, ao pé da letra, é o ato de preterir, verbo que
significa "deixar de parte, desprezar, rejeitar". Em outras palavras,
quem diz "Não quero me meter..."
despreza (nega) o que acaba de dizer (e despreza também o que seu
receptor pode querer não ouvir).
Pois bem. A palavra "pretérito" é
da mesma família de "preterir". De
acordo com o "Houaiss" e com o
"Aurélio", "pretérito" vem do latim
"praeteritu", que o "Houaiss" traduz por "deixado de lado, omitido,
passado, decorrido (o tempo)".
Estamos tão acostumados a relacionar a palavra "pretérito" com
gramática que chegamos a estranhar seu uso em outras situações.
No texto literário, não é rara a presença de "pretérito" como adjetivo
puro e simples, como sinônimo de
"passado". O "Aurélio" dá este
exemplo, extraído de "O Mistério
da Poesia", de João Gaspar Simões:
"O homem adulto ... conhece as experiências pretéritas dos outros
homens através dos livros". É isso.
inculta@uol.com.br
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