São Paulo, quinta-feira, 13 de setembro de 2007

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PASQUALE CIPRO NETO

"Fico pretérito com você"

O pretérito mais-que-perfeito tem esse nome porque indica fato anterior ao expresso pelo perfeito "FAMÍLIA MUDA-SE" é o nome de uma mais do que recomendável peça teatral, escrita e dirigida por Odilon Wagner. No belo texto (cujo argumento é do próprio Wagner e de Tânia Bondezan), há uma passagem em que o hilariante Marco Antônio (personagem interpretado por Márcio Ribeiro) diz a Fernanda (Tânia Bondezan): "Às vezes eu fico pretérito com você". "Como?", pergunta Fernanda, com ar de quem não entendeu a metáfora. "Fico mais que passado", explica Marco Antônio. E a platéia ri gostosamente, surpresa com o desvendamento da charada.
Na verdade, a brincadeira se apóia no valor específico de um dos três pretéritos do modo indicativo (o mais-que-perfeito), que tem esse nome justamente porque expressa fato passado anterior a outro, expresso pelo pretérito perfeito.
É bom que se diga que a palavra "perfeito" nada mais é do que o particípio de "perfazer", que significa "fazer completamente", "tornar completo o número ou o valor de" etc. Quando se diz, por exemplo, que uma compra perfaz X reais, diz-se que esse é o total da compra.
Posto isso, não é difícil entender por que o pretérito perfeito tem o nome que tem. O valor específico desse tempo verbal é o de indicar um processo passado totalmente concluído ("Dona Canô Velloso nasceu em 16 de setembro de 1907"). Também não é difícil entender que o pretérito mais-que-perfeito é mais que perfeito justamente porque indica fato anterior ao que é expresso pelo pretérito perfeito.
Grosso modo, o mais-que-perfeito é o "passado do passado", o "passado mais passado que outro" ou coisa que o valha. Em "Quando ela chegou, eu já resolvera o problema", a resolução é anterior à chegada. "Resolvera" é a forma simples do pretérito mais-que-perfeito de "resolver" (as formas compostas equivalentes são "tinha/havia resolvido"). Essa flexão expressa fato anterior ao indicado por "cheguei", do pretérito perfeito.
Bem, já que falamos tanto de pretérito, que tal saber que essa palavra é da mesma família de... Já sabe? Pois vou dar uma dica: quando alguém diz algo como "Não quero me meter na sua vida, mas...", acaba de fazer o que disse que não ia fazer, certo? Pois essa é a figura da preterição, palavra que, ao pé da letra, é o ato de preterir, verbo que significa "deixar de parte, desprezar, rejeitar". Em outras palavras, quem diz "Não quero me meter..." despreza (nega) o que acaba de dizer (e despreza também o que seu receptor pode querer não ouvir).
Pois bem. A palavra "pretérito" é da mesma família de "preterir". De acordo com o "Houaiss" e com o "Aurélio", "pretérito" vem do latim "praeteritu", que o "Houaiss" traduz por "deixado de lado, omitido, passado, decorrido (o tempo)".
Estamos tão acostumados a relacionar a palavra "pretérito" com gramática que chegamos a estranhar seu uso em outras situações. No texto literário, não é rara a presença de "pretérito" como adjetivo puro e simples, como sinônimo de "passado". O "Aurélio" dá este exemplo, extraído de "O Mistério da Poesia", de João Gaspar Simões: "O homem adulto ... conhece as experiências pretéritas dos outros homens através dos livros". É isso.

inculta@uol.com.br


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