São Paulo, domingo, 13 de setembro de 2009

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"Passava noites chuvosas em claro", lembra Erundina

Para ex-prefeita, problema de enchentes não pode ser resolvido no curto prazo

A atual deputada federal diz que o fim das inundações depende de sucessivas gestões ainda e da união dos municípios da Grande SP

RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Prefeita de São Paulo entre 1989 e 1992 pelo PT, a hoje deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) diz que vivia um drama a cada vez que um temporal desabava sobre a cidade naquela época. "Passei várias noites chuvosas em claro, preocupada com a cidade que eu encontraria no dia seguinte", conta.
Erundina conversou com a Folha, por telefone, na noite da terça passada, quando começavam a ser contabilizados as mortes e os estragos deixados pelas chuvas e inundações que atingiam São Paulo. "Você não pode responsabilizar o governante que está no exercício do mandato pelo problema", disse.

 

FOLHA - A sra. está em Brasília, mas deve saber que São Paulo vive um caos por causa de um temporal. Que lembranças tem das inundações em sua época como prefeita?
LUIZA ERUNDINA -
Logo nos meus primeiros dias como prefeita, em janeiro de 1989, houve uma grande enchente em São Paulo. A cidade ficou embaixo d'água. Fui à casa de um casal de idosos muito pobres na zona norte, na Freguesia do Ó. Conversei com os dois. Tenho até fotos desse momento. Essa senhora e esse senhor estavam transtornados, muitos magoados, chorando muito... Um dos filhos havia sido levado pelo rio que transbordou. Esse episódio me abalou tanto que é uma das imagens mais vivas que guardo daquela época. E veja que eu tenho 40 anos como assistente social em São Paulo...

FOLHA - Os temporais foram motivo de preocupação especial durante seu mandato?
ERUNDINA -
Como prefeita, as enchentes foram um dos problemas que mais me afligiram. Passei várias noites chuvosas em claro, preocupada com a cidade que eu encontraria no dia seguinte para consertar e com as pessoas da periferia que teriam perdido o pouco que tinham ou que ficariam doentes de leptospirose por causa da água contaminada. No meio do mandato, eu quase desisti de fazer uma cirurgia nos olhos, já dentro do hospital, porque justamente naquele dia um temporal desabava em São Paulo. Eu tinha catarata. No final, fiz a cirurgia e o vice assumiu.

FOLHA - Culpava-se a prefeitura pelas enchentes?
ERUNDINA -
Uma mulher, nordestina, do PT, de origem humilde... Era a primeira vez que uma pessoa assim governava a cidade. Era o primeiro governo do PT na cidade. Sofri preconceito. Tudo era pretexto para me atacar e desacreditar o governo. Um saco de lixo na calçada, mesmo que tivesse sido colocado lá depois que o caminhão passou, era motivo para manchetes nos jornais.

FOLHA - Rios que transbordam e ruas que inundam não são responsabilidade do governante?
ERUNDINA -
Você não pode responsabilizar o governante que está no exercício do mandato pelo problema, como se ele tivesse surgido ali. O problema é estrutural. Por mais que invista, você não dá conta de remover todas as causas das enchentes em pouco tempo. O sistema de drenagem, o volume de lixo, as moradias irregulares nas margens dos rios, a manutenção das galerias [pluviais] e das bocas-de-lobo, o saneamento básico... Isso não é coisa para um governo só. Eu, pelo menos, fiz a minha parte. Canalizei 17 córregos que cortam a cidade, estabeleci um sistema de alarme [contra enchentes] nas cabeceiras dos rios e nas marginais do Tietê e do Pinheiros. Além disso, São Paulo era outra coisa na minha época. Por causa do fluxo migratório, a cidade crescia 300 mil pessoas por ano. Hoje, o ritmo é menor.

FOLHA - A situação hoje é melhor?
ERUNDINA -
Acho que todos tentaram mudar, mas não conseguiram. Os investimentos não têm sido muito altos. Além disso, é preciso envolver todos os municípios vizinhos em trabalhos desse tipo, o ABC, Osasco, Carapicuíba, Taboão... A concentração urbana tira a importância das fronteiras. Todos os municípios se tornam uma extensão só, submetidos aos efeitos das mesmas enchentes.


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