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"Passava noites chuvosas em claro", lembra Erundina
Para ex-prefeita, problema de enchentes não pode ser resolvido no curto prazo
A atual deputada federal diz que o fim das inundações depende de sucessivas gestões ainda e da união dos municípios da Grande SP
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL
Prefeita de São Paulo entre
1989 e 1992 pelo PT, a hoje deputada federal Luiza Erundina
(PSB-SP) diz que vivia um drama a cada vez que um temporal
desabava sobre a cidade naquela época. "Passei várias noites
chuvosas em claro, preocupada
com a cidade que eu encontraria no dia seguinte", conta.
Erundina conversou com a
Folha, por telefone, na noite da
terça passada, quando começavam a ser contabilizados as
mortes e os estragos deixados
pelas chuvas e inundações que
atingiam São Paulo. "Você não
pode responsabilizar o governante que está no exercício do
mandato pelo problema", disse.
FOLHA - A sra. está em Brasília,
mas deve saber que São Paulo vive
um caos por causa de um temporal.
Que lembranças tem das inundações em sua época como prefeita?
LUIZA ERUNDINA - Logo nos meus
primeiros dias como prefeita,
em janeiro de 1989, houve uma
grande enchente em São Paulo.
A cidade ficou embaixo d'água.
Fui à casa de um casal de idosos
muito pobres na zona norte, na
Freguesia do Ó. Conversei com
os dois. Tenho até fotos desse
momento. Essa senhora e esse
senhor estavam transtornados,
muitos magoados, chorando
muito... Um dos filhos havia sido levado pelo rio que transbordou. Esse episódio me abalou tanto que é uma das imagens mais vivas que guardo daquela época. E veja que eu tenho 40 anos como assistente
social em São Paulo...
FOLHA - Os temporais foram motivo de preocupação especial durante
seu mandato?
ERUNDINA - Como prefeita, as
enchentes foram um dos problemas que mais me afligiram.
Passei várias noites chuvosas
em claro, preocupada com a cidade que eu encontraria no dia
seguinte para consertar e com
as pessoas da periferia que teriam perdido o pouco que tinham ou que ficariam doentes
de leptospirose por causa da
água contaminada. No meio do
mandato, eu quase desisti de fazer uma cirurgia nos olhos, já
dentro do hospital, porque justamente naquele dia um temporal desabava em São Paulo.
Eu tinha catarata. No final, fiz a
cirurgia e o vice assumiu.
FOLHA - Culpava-se a prefeitura
pelas enchentes?
ERUNDINA - Uma mulher, nordestina, do PT, de origem humilde... Era a primeira vez que
uma pessoa assim governava a
cidade. Era o primeiro governo
do PT na cidade. Sofri preconceito. Tudo era pretexto para
me atacar e desacreditar o governo. Um saco de lixo na calçada, mesmo que tivesse sido colocado lá depois que o caminhão passou, era motivo para
manchetes nos jornais.
FOLHA - Rios que transbordam e
ruas que inundam não são responsabilidade do governante?
ERUNDINA - Você não pode responsabilizar o governante que
está no exercício do mandato
pelo problema, como se ele tivesse surgido ali. O problema é
estrutural. Por mais que invista, você não dá conta de remover todas as causas das enchentes em pouco tempo. O sistema
de drenagem, o volume de lixo,
as moradias irregulares nas
margens dos rios, a manutenção das galerias [pluviais] e das
bocas-de-lobo, o saneamento
básico... Isso não é coisa para
um governo só. Eu, pelo menos,
fiz a minha parte. Canalizei 17
córregos que cortam a cidade,
estabeleci um sistema de alarme [contra enchentes] nas cabeceiras dos rios e nas marginais do Tietê e do Pinheiros.
Além disso, São Paulo era outra
coisa na minha época. Por causa do fluxo migratório, a cidade
crescia 300 mil pessoas por
ano. Hoje, o ritmo é menor.
FOLHA - A situação hoje é melhor?
ERUNDINA -
Acho que todos
tentaram mudar, mas não conseguiram. Os investimentos
não têm sido muito altos. Além
disso, é preciso envolver todos
os municípios vizinhos em trabalhos desse tipo, o ABC, Osasco, Carapicuíba, Taboão... A
concentração urbana tira a importância das fronteiras. Todos
os municípios se tornam uma
extensão só, submetidos aos
efeitos das mesmas enchentes.
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