São Paulo, Segunda-feira, 13 de Setembro de 1999
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VIOLÊNCIA 2
Quadrilha liderada por PM é apontada como responsável por 23 crimes em apenas uma rua de SP
Violência 2: Polícia prende acusados de 150 mortes

da Reportagem Local

A Polícia Civil de São Paulo acredita ter descoberto uma das maiores quadrilhas de matadores de aluguel que já atuou no Estado: seriam mais de 150 homicídios, 23 deles em uma única viela.
São 17 pessoas acusadas de matar por dinheiro ou para "garantir a ordem" na Paraguai, favela fundada e dominada pelo bando no Jardim Varginha, extremo sul de São Paulo, a décima área no ranking da violência da cidade.
Nove dos acusados já estão presos. Todos narraram em detalhes a maneira de agir da quadrilha, mas apenas dois confessaram à polícia os assassinatos.
Na "limpeza ética" que os acusados julgam estar promovendo, a polícia identificou três tipos básicos de vítimas: as escolhidas, as encomendadas e as casuais.
No primeiro grupo estão as que "sujam a área", como dizem os moradores da favela. São pessoas que, acreditam os matadores, trazem ou poderão trazer problemas para a favela. Vale marido que bateu na mulher, favelado que vendeu o barraco sem autorização do bando, traficante, viciado, ladrão e até desocupado, "porque já vai começar a roubar".
No segundo grupo de vítimas estão inimigos pessoais e concorrentes de comerciantes da periferia, para os quais a quadrilha presta "serviços de segurança", segundo a polícia.
Dez comerciantes são suspeitos de patrocinar parte dos crimes atribuídos ao bando. Pagariam de R$ 1.000 a R$ 5.000 por cabeça.
Seus nomes são mantidos em sigilo pelos investigadores. Eles já depuseram e negaram terem sido os mandantes dos crimes. Mas terão as contas bancárias rastreadas porque há suspeita de que já tenham custeado advogados para a quadrilha.
Entre as ações de "limpeza da área" e as mortes encomendadas, alguns tiros "erram o alvo". É o terceiro grupo de vítimas: trabalhadores que andam com os jurados de morte ou que simplesmente estão no lugar errado, na hora errada -são mortos por terem testemunhado o "crime original".
Até sexta-feira, já havia indícios da participação dos acusados em 60 assassinatos ocorridos nos últimos três anos. Como agem há oito, segundo a polícia, o número de vítimas pode chegar a 150.
O índice é próximo do registrado durante todo o ano passado na área do 37º DP (Campo Limpo), a quarta mais violenta da cidade, onde a gangue também atua, de acordo com as investigações.
Na favela do Paraguai todo mundo conhece essas histórias de cor, mas poucos falam a respeito delas. Dizem nunca ter ouvido falar dos acusados mesmo que um deles seja seu vizinho de parede.
"Precisamos viver, moça", resumiu à Folha uma mulher de aproximadamente 50 anos que foi abordada pela reportagem na Samuel Scott -uma rua de 300 metros onde 23 pessoas foram mortas no último ano.
É a lei do silêncio imposta pelo bando. Até junho passado, ela era uma regra seguida por todos. No dia 12 daquele mês, porém, 27 tiros mataram sete pessoas em um bar da Samuel Scott. Algumas das vítimas moravam na favela, entraram nas estatísticas das vítimas casuais, e alguém resolveu falar.
Um denunciante anônimo e um adolescente são os maiores condutores da investigação policial. No local do crime, após seis horas de trabalho dos investigadores, o menor foi o único a falar com a polícia entre os mais de 500 moradores que cercavam o bar.
"Ele se aproximou e perguntou por que nós não íamos atrás de um Chevette cinza que acabara de passar pela rua", conta o delegado Luiz Osilak Nunes da Silva, que conduz as investigações.
O Chevette de placas CMF-3779/SP pertencia ao soldado da PM João José dos Santos, conhecido como Xirana, que, juntamente com seus comparsas, segundo o adolescente, haviam cometido o crime. Como ele, soube-se mais tarde, todos os demais acusados passaram em frente ao bar e intimidaram os moradores enquanto a polícia fazia a perícia. (SÍLVIA CORRÊA).


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