São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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EDUCAÇÃO

Pesquisa realizada pela Unesco mostra que Brasil tem 94% de professoras -só perdendo para Itália, com 94,6%

Mulheres comandam as salas de aula do país

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

O Brasil é o país das professoras. Com exceção da Itália, em nenhum outro país do mundo há tantas mulheres exercendo o magistério quanto aqui.
A constatação pode ser feita a partir de uma pesquisa sobre o perfil do professor realizada pela Unesco e divulgada na semana passada. Ela mostra que, da 1ª à 6ª série do ensino fundamental, a porcentagem de mulheres dando aulas no Brasil é de 94%.
Em um total de 138 países comparados, a porcentagem só não é maior do que a da Itália, onde as mulheres representam 94,6% dos professores nesse nível de ensino.
O perfil majoritariamente feminino dos professores nas séries iniciais não é exclusividade do Brasil. É assim em quase todos os países do mundo, até mesmo nos mais desenvolvidos.
A proporção de mulheres dando aulas na média de todos os países da OCDE (organização que engloba 25 países desenvolvidos e em desenvolvimento da Europa, Ásia e América do Norte), por exemplo, é de 77%.
O que chama a atenção no caso brasileiro é que, por aqui, esse fenômeno é mais acentuado. Para especialistas ouvidos pela Folha, a predominância de mulheres no magistério tem a ver com o perfil do trabalho e com os salários.
"A natureza e o trabalho docente são mais atraentes para as mulheres, porque elas têm outros papéis em casa. Por serem mais verbais e mais fluentes, as professoras tendem a favorecer mais a aprendizagem da língua e a expressão oral do que os professores homens", explica o consultor em educação João Batista Oliveira.
Para Oliveira, a grande desvantagem da feminização do magistério é que, no mundo inteiro, a mulher ganha, em média, menos do que o homem, o que tende a baixar o salário do professor.
A educadora Guiomar Namo de Mello, membro do Conselho Nacional de Educação, concorda com Oliveira: "No Brasil, como lá fora, ainda se repete um padrão que pode mudar no futuro próximo: as mulheres ganham menos para o mesmo trabalho. E as profissões com predominância feminina são pior remuneradas e em geral têm menor prestígio social".
Os dados da pesquisa da Unesco confirmam que, mesmo em países desenvolvidos, ainda persiste no magistério uma desigualdade a favor dos homens.
O estudo cita informações de 12 países europeus, entre eles Itália, Suécia e Dinamarca, que mostram que a porcentagem de mulheres ocupando cargos de direção cai drasticamente quando comparada com a porcentagem de mulheres professoras. Mas esse cálculo não foi feito, na pesquisa, para o caso brasileiro. A professora Cynthia Pereira de Sousa, da Faculdade de Educação da USP e autora de tese que estuda o fenômeno da feminização na educação brasileira, lembra que o magistério nem sempre foi uma profissão feminina e que os primeiros professores foram membros da ordem dos jesuítas.
"A educação escolar historicamente foi franqueada primeiro aos meninos, que, de posse de alguns conhecimentos básicos, teriam na idade adulta condições de poder ensinar", afirma Cynthia em seu estudo.
De acordo com ela, a entrada da mulher no mercado não é explicada somente pelo fato de os homens terem fugido dos baixos salários da profissão. "Quando os homens ocupavam as salas de aula, no século 19, os documentos já falavam em baixos salários e péssimas condições de trabalho", diz a professora da USP.
Cynthia aponta a normatização da profissão como um dos fatores que ajudou a afastar os homens da profissão: "Quando o Estado começa a organizar o sistema público de ensino, no século 19, começa também a normatizar e regulamentar a profissão, criando regras para seriação, horários e concursos. Isso pode ter desinteressado homens que, muitas vezes, exerciam outras atividades junto com o magistério".
O educador Arnaldo Niskier, autor do livro "500 Anos de Educação Brasileira", cita a necessidade de complementar a renda familiar em uma das poucas atividades em que a sociedade aceitava a participação das mulheres como incentivador da presença feminina na educação.
"Era uma alternativa para contribuir com a renda familiar porque o marido, sobretudo o funcionário público ou militar, não tinha bons salários", afirma.


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