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ANÁLISE
O bilhete único não dá prejuízo; mas, se der, é ruim?
VINICIUS TORRES FREIRE
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
Desde maio, quem vive em São
Paulo pode pagar sua passagem
com o bilhete único. Desde então,
a despesa média do passageiro de
ônibus tem diminuído a cada
mês. Mais gente passou a viajar de
ônibus. O preço da passagem não
aumentou. A arrecadação de prefeitura e empresas de transporte
até cresceu um pouco.
Até agosto, tudo melhorou, indicam os números. Houve mágica? Ou melhorou mesmo a administração do transporte no governo de Marta Suplicy (PT)? Se houve melhora, isso vai durar? Qual o
custo adicional, se é que vai haver
mais custos? Resposta: houve melhora na administração, mas o futuro das finanças do sistema de
transporte com o bilhete único
depende de vários fatores, alguns
deles ora imprevisíveis.
O bilhete único permite que, pelo preço de uma passagem (R$
1,70), se possa fazer quantas viagens quiser em duas horas. Passa-se o cartão magnético na roleta
(ou catraca, como se diz em São
Paulo) e é descontado o valor de
uma passagem no cartão magnético do bilhete único. Daí em
diante, pode-se trocar de ônibus
quantas vezes se quiser, dentro do
limite de duas horas.
Críticas e como funciona
O argumento principal dos críticos é o seguinte: quanto mais os
passageiros souberem usar o bilhete único, mais vão fazer uma
segunda ou terceira viagem de
graça. Haverá mais viagens e menos passagens serão pagas. Em
dado momento, haveria "prejuízo". A prefeitura teria de gastar
mais dinheiro para compensar as
empresas pelas viagens gratuitas
-teria de aumentar o subsídio.
Por ora, não existe tal problema,
devido ao sistema de remuneração das empresas de ônibus.
Grosso modo, tal sistema funciona da seguinte maneira. A prefeitura recolhe tudo o que se arrecadou nas roletas dos ônibus ou
com a venda de passagens (créditos) de bilhetes únicos, R$ 131 milhões em agosto. A esse valor
acrescenta algum dinheiro, a título de subsídio para passageiros
como os idosos (isentos), e repassa o total para o conjunto das empresas (a arrecadação mais o subsídio). Em agosto, a prefeitura pagou R$ 145 milhões ao conjunto
das empresas.
Houve, pois, um subsídio implícito de cerca de R$ 14 milhões nesse mês (o equivalente a arrecadação menos remuneração). A prefeitura reservou este ano R$ 280
milhões para subsídios, cerca de
R$ 23,3 milhões por mês, para todo o sistema de transporte. Em
agosto, deu e sobrou para subsidiar ônibus e ainda lotações.
A prefeitura, pois, não remunera as empresas de transporte por
viagem feita nos ônibus. É verdade que, desde maio, cresceu muito o número de viagens em ônibus. Mas não houve custo adicional para as empresas, que continuaram a usar o mesmo número
de veículos. A prefeitura continuou remunerar as empresas do
mesmo modo como o fazia antes.
A "mágica" vai durar?
Isso vai continuar a funcionar
assim? Não, por dois motivos. Primeiro: pode ser que as pessoas façam tantas viagens de graça com
o bilhete único e tanta gente passe
a andar de ônibus devido a esse
benefício que os ônibus fiquem
lotados e a arrecadação possa até
cair: o serviço pioraria e poderia
demandar mais subsídio.
Seria preciso comprar mais ônibus. Isto aumenta o custo das empresas, que pediriam aumento da
sua remuneração. A prefeitura teria de gastar com subsídio adicional ou aumentar a passagem. Isso
é apenas uma hipótese, ainda longe de se verificar na prática.
Segundo: a prefeitura deve mudar o sistema de remuneração das
empresas, como é previsto no
contrato da licitação do transporte. Segundo o secretário de Transportes, Gérson Bittencourt, tal
mudança deve ocorrer em dezembro. A prefeitura passaria, então, a pagar às empresas por passageiro que passar na roleta. Aí, o
problema fica mais complicado.
O novo sistema
No novo sistema, quanto mais
gente viajar de ônibus, mais a prefeitura vai gastar com a remuneração das empresas. A prefeitura
vai pagar por viagem, por cabeça,
não importa se o passageiro fez
uma segunda ou terceira viagem
de graça usando o bilhete único.
Isto é, em tese, quanto mais gente viajar de graça, maior o déficit
da prefeitura. Menos se arrecada,
em média, por passageiro, mais se
paga às empresas. Desde maio,
tem aumentado a proporção dos
passageiros que viajam de graça
devido ao bilhete único. Em julho, eram cerca de 15%; em agosto, 20%.
Na média de agosto, dividindo o
total da remuneração das empresas pelo número de viagens, a prefeitura teria pago, para cada viagem, R$ 1,40 (o pagamento não
foi feito assim, por cabeça. Isto é
apenas uma média).
Com a tarifa a R$ 1,70, seria preciso que cerca de 83% dos passageiros pagassem integralmente as
passagens a fim de compensar as
viagens feitas de graça. Isto é, a
fim de que se obtenha dinheiro
suficiente para a prefeitura remunerar as empresas por R$ 1,40,
sem "déficit". Mas, em agosto, só
o equivalente a 72% das viagens
foram pagas integralmente a R$
1,70. Haveria "déficit", caso o novo sistema estivesse valendo.
Mas vai haver déficit?
Depende. A prefeitura diz que
tem como administrar o problema: pode pagar às empresas menos de R$ 1,40 por viagem. Pode
reduzir custos (com mais corredores de ônibus, o custo das empresas cai: há menos congestionamento, gasta-se menos diesel).
Pode reduzir as viagens feitas com
bilhete único (colocando uma linha só para cobrir um trajeto que
hoje é feito por duas linhas em
que se usa muito bilhete único).
Com a concessão do serviço de
transporte por áreas da cidade,
com o passa-rápido e outros controles, tornou-se mais viável administrar de maneira mais eficiente o sistema -a prefeitura sabe até quais linhas de ônibus são
deficitárias, e em quanto.
O que pode dar errado? As empresas podem não aceitar a nova
remuneração: poderia haver problemas políticos, locautes, como
no passado. O contrato de licitação, que define reajustes de remuneração e cálculos de custos das
empresas, é bem maleável e pode
dar margem a várias cenários de
tarifa e despesas para a prefeitura.
A prefeitura pode ter de pagar
mais às empresas. Pode ter de aumentar o preço da passagem. Pode deixar de exigir das empresas a
renovação da frota de ônibus ou
as obras que deveriam fazer em
terminais, a fim de aumentar a
renda dos empresários por outros
meios. Pode limitar o número de
viagens gratuitas feitas com o bilhete único. Tudo depende de
preços, custos e proporção de
passageiros viajando de graça.
Com a remuneração por viagem, a tendência do déficit, a diferença entre o que se arrecada e as
despesas, é aumentar, se tudo o
mais for mantido como está. Mas
é muito difícil e cedo para prever
coisas como quantos passageiros
virão a viajar de graça.
Subsídio social é ruim?
Cerca de dois terços das pessoas
que ganham até três salários mínimos não recebem nenhum auxílio em dinheiro para custear seu
transporte na Grande São Paulo,
de acordo com pesquisa do Itrans
(Instituto de Desenvolvimento e
Informação em Transporte) . Segundo estudo de Alexandre Gomide, do Ipea, apenas 0,49% das
pessoas que recebem este auxílio
estão entre as que ganham até um
salário mínimo.
O bilhete único melhora a vida
dessas pessoas. Permite que parte
delas procure trabalho, possa ter
empregos em bairros mais distantes de onde moram, consiga ir ao
posto de saúde ou apenas se divertir ou freqüentar seus amigos e
parentes mais distantes. O benefício social é relevante. O problema
é saber quem tem direito a ele e
quem vai ficar com a conta.
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