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MOACYR SCLIAR
O último trabalhador
Trabalhador produz mais e ganha menos.
Dinheiro, 22.out.2000
A regra básica era: produzir cada vez mais a um custo
cada vez menor. Custo cada vez
menor significaria, para fins práticos, realistas, um número decrescente de trabalhadores ganhando um salário sempre decrescente. Mas como chegar lá?
Como alcançar uma situação até
então apenas descrita em utopias
do tipo "Admirável Mundo Novo"?
Problema complexo, finalmente
resolvido com a descoberta do supertrabalhador.
Que era, na aparência, um homenzinho comum, franzino.
Diante de máquinas e aparelhos,
contudo, transformava-se. Possuído de energia extraordinária e
com uma habilidade assombrosa,
ele operava sozinho uma vasta
parafernália. Foi assim que a TV
o mostrou ao público: fazendo
funcionar, sozinho, uma grande
fábrica, toda automatizada.
A essa fábrica, outras, similares,
foram conectadas. Nenhum problema para o supertrabalhador:
ele dava conta de tudo. Não apenas produzia, comercializava
também, via Internet, fazia toda
a contabilidade, depositava o dinheiro... Como disse um embasbacado empresário: se há alguém
que se possa considerar pau para
toda obra, é esse homem. Era vê-lo correndo de um lado para outro, ora operando os controles de
uma supermáquina, ora trabalhando no teclado de um supercomputador. E coisa interessante:
ganhava cada vez menos.
Nem poderia ser de outra maneira. Em primeiro lugar, só havia um emprego, um único emprego, de supertrabalhador. Se ele
fosse despedido, simplesmente
não teria onde aplicar seus conhecimentos, o que simplesmente
neutralizava sua capacidade reivindicatória. Por outro lado, atrelado como estava ao gigantesco
esquema de produção, nem tinha
tempo para gastar o pouco que
ganhava e que, para alguém solteiro e sem vícios, parecia mais do
que suficiente. De modo que um
dia o colegiado empresarial que o
empregava decidiu: não receberia
mais salário algum. Comida, sim;
casa, sim; roupa lavada, sim; assistência médica, sim; alguma diversão, sim; salário, não. Com o
que se chegava à situação ideal:
produtividade infinita com salário zero.
Alguns jornalistas têm tentado
ouvir o supertrabalhador a respeito dessa situação. Alegando
falta de tempo, ele recusa-se a dar
declarações. Aliás, de modo geral,
recusa-se a falar, ainda que às vezes monologue coisas que, ao supervisor, parecem sem sentido.
"Trabalhadores de todo o mundo,
uni-vos" é o que ele diz, mas para
quem está falando? E o que está
dizendo?
Isso, ao fim e ao cabo, não tem
importância alguma. No passado, alguns trabalhavam cantando, outros, assobiando. O supertrabalhador monologa. Não há
mal nenhum nisso, diz o supervisor, mas apressa-se a acrescentar:
-Desde que, claro, a produção
não seja prejudicada.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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