São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 2006

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Em greve, residentes pedem salário e descanso

Futuros médicos se queixam do valor da bolsa e da rotina estressante dos plantões

Categoria reivindica reajuste de 53,7%; estudante relata que ficou 60 horas sem dormir "sequer 30 minutos"


PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Exausto, o médico dormita enquanto tenta reanimar um paciente em uma emenda interminável de plantões. Num seriado na TV, a cena até seria divertida, mas na vida real, não há graça alguma.
"Se o paciente demora mais de cinco segundos ao responder uma pergunta, eu já cochilo", diz a estudante de psiquiatria na Escola Paulista de Medicina (Unifesp), Mariana Maciel, 26, em greve desde quarta-feira, como cerca de 5.300 residentes dos 6.500 -só em São Paulo. A greve é nacional.
"É tão raro ter um fim-de-semana livre, que, quando consigo, eu programo como se fossem férias, elegendo prioridades", conta a estudante de endocrinologia Natalie Akimi, 27.
Além do cumprimento da carga horária determinada pelo MEC, de 60 horas semanais, incluindo dois plantões de doze horas (jornada que freqüentemente é extrapolada), a categoria reivindica reajuste de 53,7% na bolsa de cerca de R$ 1.400 mensais e melhores condições para atender os pacientes.
"O valor da bolsa está defasado, e não condiz com a qualidade do trabalho que você executa. Embora na teoria se fale em acompanhamento e preceptoria, na prática muitas vezes isso é efetivo e o residente assume a responsabilidade do médico", explica Mariana Maciel, que está na chamada "residência 1".
Todos os formandos em medicina são obrigados a fazer R1 e R2 em clínica-geral e, em seguida, optar por especializar-se em mais dois anos.
Pedro Saddi, 28, presidente da Associação dos Médicos Residentes da Escola Paulista de Medicina, diz que gasta por mês para morar mais do que a bolsa toda: R$ 1.400. Ele até fez as contas, os R$ 1.300 da bolsa equivalem a R$ 6,00 por hora, "menos do que um flanelinha".
Segundo os estudantes, os mais sacrificados são aqueles que, além dos plantões, têm de ficar à disposição dos pacientes praticamente o tempo todo -como os nefrologistas, os cardiologistas e os psiquiatras.
R1 em "nefro", o potiguar Agostinho Filgueira, 28, diz que é comum permanecer no hospital por 100 horas semanais. "Somos responsáveis por todas as intercorrências relacionadas à área, inclusive de pacientes que vêm de outras especialidades, sendo que a grande maioria deles sofre de insuficiência renal aguda, que exige atenção máxima", explica Filgueira.
Para complementar o orçamento, a maioria dos insones doutores ainda faz plantões fora do hospital em que estão residentes. "Eles pagam muito melhor, uma média de R$ 300 por 12 horas", diz Saddi.
Já Renato Laks, 24, residente em clínica-geral, conta que chegou a ficar 60 horas sem dormir sequer 30 minutos e, no dia seguinte, continuou a atender. Ele diz que, quando não atende nem estuda, simplesmente dorme. "Apago no sofá, no metrô, em qualquer lugar."
Renato tem um irmão mais velho "que já passou por tudo isso" e tenta apaziguá-lo com a máxima "agüenta firme que é um mal passageiro."
O grupo diz em uníssono: "A gente só agüenta essas jornadas porque sabe que a residência tem data para terminar e dura dois anos. Se não, estaríamos em greve constantemente."


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