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PASQUALE CIPRO NETO
Escrita e pronúncia
Em tempos de idolatria do "tudo rápido, muito rápido", certas delícias da língua podem passar despercebidas
MEU AMIGO MÁRCIO Ribeiro
achou o fim da picada "projetil", palavra que citei na
coluna da semana passada. "Eu não
sabia que existia essa coisa", disse
ele, que, incrédulo, insistiu: "Mas
existe mesmo?" E eu tornei a dizer o
que escrevera, isto é, que o pessoal
da área específica (balística etc.) usa
mais "projetil" do que "projétil".
Por falar em "balística", quem
procura esse vocábulo no "Aurélio"
encontra esta definição: "1. Ciência
que estuda o movimento dos projetis, particularmente os disparados
por armas de fogo; 2. Ciência e técnica dos mísseis e projetis". Quem
consulta o "Houaiss" encontra algo
semelhante, mas... Veja lá o que diz a
obra: "1. Estudo do movimento de
projéteis, geralmente dentro e fora
de armas de fogo; 1.1 Estudo do movimento de projéteis que se movem
apenas pela ação da gravidade".
Percebeu, prezado leitor? O "Aurélio" usa "projetis" (cuja sílaba tônica é "tis" -leia "projetís"). Esse é o
plural de "projetil", forma que -parece- a obra considera preferível.
No mesmo verbete ("balística"), o
"Houaiss" usa "projéteis", plural de
"projétil". No verbete "projétil" (do
francês "projectile"), o "Houaiss"
diz que, "por sua origem imediata,
este vocábulo foi por largo tempo
usado no Brasil como oxítono".
Constata-se a mesma situação
quando se consulta o vocábulo "jacaré". No "Aurélio", encontra-se isto: "Designação comum a todos os
reptis crocodilianos aligatorídeos,
especialmente..."; no "Houaiss", isto: "Designação comum aos répteis
crocodilianos da família dos aligatorídeos...". O "Aurélio" gosta mais
de "reptil" (oxítona), cujo plural é
"reptis" (leia "reptís"); o "Houaiss"
prefere "répteis", plural de "réptil".
Posto isso, quero chegar ao busílis, ou seja, ao xis do problema: a
leitura (de dicionários, no caso).
Em tempos de absoluta idolatria
do "tudo rápido, muito rápido",
certas delícias da língua podem
passar despercebidas pelos que vão
aos dicionários na base do pá-pum.
Em algumas palestras que profiro país afora, falo da necessidade
de saber consultar dicionários, o
que vai muito além da simples resolução de dúvidas ortográficas. Às
vezes, para ilustrar os procedimentos, faço exercícios de leitura. No
caso do verbete "jacaré" no "Aurélio", por exemplo, não são poucas
as pessoas que param na hora de
ler "reptis" e perguntam, um tanto
incrédulas, se o plural de "réptil" é
"réptis". Daí para reforçar a idéia
de que a língua é um interminável
baú de regras sem nexo é um passo.
A esta altura, alguém talvez diga
que ninguém tem obrigação de saber que existem formas como "reptil" e "projetil", "reptis" e "projetis", todas oxítonas, é bom repetir.
De fato, ninguém tem essa obrigação, já que esses termos não freqüentam o cotidiano da língua.
A obrigação (ou melhor, necessidade) é outra: conhecer os mecanismos gráficos e morfológicos de
nossas palavras. E aí entra a escola,
para mostrar como funcionam as
regras de acentuação, por exemplo,
ou como funcionam os processos
de formação do plural (oxítonas
que terminam em "il" fazem o plural em "is", como "juvenil/juvenis",
"pueril/pueris", "ardil/ardis" etc.;
paroxítonas que terminam em "il"
fazem o plural em "eis", como "fácil/fáceis", "ágil/ágeis"). É isso.
inculta@uol.com.br
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