São Paulo, quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

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PASQUALE CIPRO NETO

Escrita e pronúncia

Em tempos de idolatria do "tudo rápido, muito rápido", certas delícias da língua podem passar despercebidas

MEU AMIGO MÁRCIO Ribeiro achou o fim da picada "projetil", palavra que citei na coluna da semana passada. "Eu não sabia que existia essa coisa", disse ele, que, incrédulo, insistiu: "Mas existe mesmo?" E eu tornei a dizer o que escrevera, isto é, que o pessoal da área específica (balística etc.) usa mais "projetil" do que "projétil".
Por falar em "balística", quem procura esse vocábulo no "Aurélio" encontra esta definição: "1. Ciência que estuda o movimento dos projetis, particularmente os disparados por armas de fogo; 2. Ciência e técnica dos mísseis e projetis". Quem consulta o "Houaiss" encontra algo semelhante, mas... Veja lá o que diz a obra: "1. Estudo do movimento de projéteis, geralmente dentro e fora de armas de fogo; 1.1 Estudo do movimento de projéteis que se movem apenas pela ação da gravidade".
Percebeu, prezado leitor? O "Aurélio" usa "projetis" (cuja sílaba tônica é "tis" -leia "projetís"). Esse é o plural de "projetil", forma que -parece- a obra considera preferível.
No mesmo verbete ("balística"), o "Houaiss" usa "projéteis", plural de "projétil". No verbete "projétil" (do francês "projectile"), o "Houaiss" diz que, "por sua origem imediata, este vocábulo foi por largo tempo usado no Brasil como oxítono".
Constata-se a mesma situação quando se consulta o vocábulo "jacaré". No "Aurélio", encontra-se isto: "Designação comum a todos os reptis crocodilianos aligatorídeos, especialmente..."; no "Houaiss", isto: "Designação comum aos répteis crocodilianos da família dos aligatorídeos...". O "Aurélio" gosta mais de "reptil" (oxítona), cujo plural é "reptis" (leia "reptís"); o "Houaiss" prefere "répteis", plural de "réptil".
Posto isso, quero chegar ao busílis, ou seja, ao xis do problema: a leitura (de dicionários, no caso).
Em tempos de absoluta idolatria do "tudo rápido, muito rápido", certas delícias da língua podem passar despercebidas pelos que vão aos dicionários na base do pá-pum.
Em algumas palestras que profiro país afora, falo da necessidade de saber consultar dicionários, o que vai muito além da simples resolução de dúvidas ortográficas. Às vezes, para ilustrar os procedimentos, faço exercícios de leitura. No caso do verbete "jacaré" no "Aurélio", por exemplo, não são poucas as pessoas que param na hora de ler "reptis" e perguntam, um tanto incrédulas, se o plural de "réptil" é "réptis". Daí para reforçar a idéia de que a língua é um interminável baú de regras sem nexo é um passo.
A esta altura, alguém talvez diga que ninguém tem obrigação de saber que existem formas como "reptil" e "projetil", "reptis" e "projetis", todas oxítonas, é bom repetir.
De fato, ninguém tem essa obrigação, já que esses termos não freqüentam o cotidiano da língua.
A obrigação (ou melhor, necessidade) é outra: conhecer os mecanismos gráficos e morfológicos de nossas palavras. E aí entra a escola, para mostrar como funcionam as regras de acentuação, por exemplo, ou como funcionam os processos de formação do plural (oxítonas que terminam em "il" fazem o plural em "is", como "juvenil/juvenis", "pueril/pueris", "ardil/ardis" etc.; paroxítonas que terminam em "il" fazem o plural em "eis", como "fácil/fáceis", "ágil/ágeis"). É isso.


inculta@uol.com.br

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